LIVRARIA CHAIN ARAMIS CHAIN
Aramis Chain no cantinho de sua livraria onde Leminski costumava se sentar para ler (Foto: Franklin de Freitas)

Nascido em Curitiba em 24 de agosto de 1944, Paulo Leminski completaria 80 anos em 2024. E para celebrar o legado do ‘Samurai Malandro’, o Bem Paraná preparou uma espécie de “Roteiro Leminski”, apresentando lugares que fizeram parte da vida do poeta e/ou que ele costumava frequentar. A maternidade onde Leminski nasceu, opções gastronômicas, uma biblioteca, uma livraria e até uma loja de discos fazem parte dessa viagem turística, cultural e afetiva, cujo trajeto foi elaborado com o auxílio de Aurea Leminski, filha do escritor.

Como não poderia deixar de ser, nosso passeio começa pelo lugar onde tudo começou: o Hospital e Maternidade Victor Ferreira do Amaral. Considerada a mais antiga maternidade do Paraná, foi ali que o menino-poeta nasceu.

Desde a infância, no entanto, há outro espaço que acaba sendo marcante para o escritor: a Biblioteca Pública do Paraná. Ainda guri, Leminski passava as tardes no local como membro do Clube Literário Juvenil Dario Velozzo. E foi ali também que conheceu sua primeira esposa, Nevair Maria de Souza, com quem casou aos 18 anos. Além disso, o espaço foi frequentado pelo poeta ao longo de toda a sua vida.

“Alguns livros raros ele ia lá, alugava, e depois não conseguia devolver, porque não conseguia viver sem aquele livro. Ele tinha amor pelos livros mesmo, não conseguia se desfazer. E o principal motivo é que ele tinha os livros como objeto de consulta, não era só ler e devolver. Eu sei disso porque na biblioteca do meu pai tem livros com o carimbo da biblioteca. Acho que é melhor nem devolver, porque imagina o quanto vão me cobrar de multa…”, brinca Aurea. “Era algo mais forte que ele”, comenta ainda.

BIBLIOTECA PUBLICA DO PARANA
Biblioteca Pública do Paraná: a ‘segunda casa’ de um dos maiores poetas paranaenses (Foto: Franklin de Freitas)

‘Cantinho do Leminski’ é preservado em livraria

Ainda no mundo dos livros, a Livraria do Chain, que fica próximo da Reitoria da UFPR, era outro ponto onde o Samurai Malandro poderia ser encontrado com alguma frequência. O livreiro Aramis Chain, que há aproximadamente 60 anos toca a livraria, recorda ainda dos momentos que o poeta passou no local.

“O local onde estou sentado hoje, dando essa entrevista, é o local onde ele vinha da Universidade Federal, eles estavam fazendo um tratamento com o filho dele e a Aurea junto. Ele conversava muito pouco, ficava aqui lendo alguns livros e ia embora. Gosto muito desta lembrança”, relata o livreiro, comentando ainda que Leminski chegou a “bater ponto” na livraria por um certo período, aparecendo lá todos os dias. “Mas com quem ele mais se relacionou foi com meu irmão, o Ali Chain, que era o Califa 33. Eles se encontravam às noite. Comigo, os encontros com ele eram mais durante o dia”, explica.

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Aramis Chain folheia a antologia poética de Paulo Leminski (Foto: Franklin de Freitas)

Loja de discos e preferências musicais do poeta

Outro lugar que Paulo Leminski costuma frequentar em Curitiba e que segue em pé até hoje é a Savarin Discos. Segundo Aurea, o poeta ia lá para comprar todos os discos que era lançado e tinha um gosto musical bastante eclético, mas sempre curtindo muita MPB, com Novos Baianos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa e Ney Matogrosso.

“Era mais o pessoal ligada à Tropicália, sabe? De fora, quando ele conheceu The Police, enlouqueceu. Era o dia inteiro tocando em casa, ele tocada até furar o disco. Rolling Stones com certeza, Beatles… E ele ficou alucinado quando o Michael Jackson apareceu no pedaço”, recorda a filha do escritor. “As descobertas musicais dele viravam um looping em casa, ele ouvia a mesma coisa de forma bem obsessiva. Isso até descobrir outra coisa, até a próxima obsessão.”

LOJA DE DISCO SAVARIN
Savarin Discos, na Rua Saldanha Marinho: 40 anos de história (Foto: Franklin de Freitas)

Bife Sujo, Baviera e muita carne: ‘Era bem carnívoro’

Na gastronomia, um dos lugares preferidos de Paulo era o Bife Sujo, que na época ficava na Rua Cândido Lopes. Foi lá, inclusive, que ele e Alice Ruiz compuseram ‘Nóis fumo’, sua única parceria musical. “No Bife Sujo ele batia ponto, mas não é o Bife Sujo que tem hoje”, ressalta Aurea Leminski. “Acho que são os mesmos donos, mas não é mais o mesmo endereço. Nesse novo endereço ele foi poucas vezes”, comenta ainda ela.

Uma carne, inclusive, era algo essencial na dieta leminskiana. “Ele gostava muito de carne, era bem carnívoro. Mas o meu pai, em termos de comida, ela uma pessoa fácil. Gostava de comer, comia o que tivesse pela frente e estava tudo bem”, comenta ainda a filha do escritor.

Além do Bife Sujo, o Restaurante Tortuga também foi muito frequentado por Leminski, Alice e os filhos. O prato preferido era o espeto corrido. Já o Restaurante Baviera era a opção para receber os amigos e enfrentar as noites frias tomando uma boa sopa, enquanto o Kapelle Bar era opção recorrente pros momentos de boêmia. E, curiosamente, a churrascaria do Couto Pereira também era um lugar que o poeta gostava, apesar de seu coração rubro-negro. “Ele levava a gente muito lá nas quartas-feiras, no rodízio, apesar dele ser atleticano – mais uma coisa engraçada de se contar.”

O prédio onde Leminski conheceu Kolody

Citar as obras que Paulo Leminski mais admirava é uma tarefa difícil, uma vez que o poeta era leitor voraz. Autores como Vladimir Maiakovski, James Joyce, Lawrence Ferlinghetti e Alfred Jarry, no entanto, eram alguns dos seus prediletos. “Ele gostava tanto que acabou traduzindo obras desses autores do original, da língua original mesmo”, cita Aurea. “John Fante ele também gostava muito, Borges, Cortázar… E Ezra Pound, que era uma das grandes referências para ele”, emenda ela.

Além disso, Leminski também era um grande fã de Helena Kolody. E ela acabou sendo uma referência muito forte na vida do poeta, tanto que foi quem apresentou o haikai para ele. E aí vem uma história curiosa – e mais um lugar para se conhecer no nosso roteiro. “Ele não conhecia a Kolody, até que eles moraram no mesmo prédio, o Edifício São Bernardo, na Dr. Muricy, quase colado no Hotel Bourbon. Era a três passos da Biblioteca Pública e foi ali que se conheceram, eram vizinhos. Acho que não se conheceram em nenhuma reunião de condomínio, porque meu pai não frequentava as reuniões de condomínio [risos]. A Kolody também não, imagino.”

Os lugares que já se foram, mas que fizeram parte da vida do poeta

Até aqui, todos os lugares citados são espaços que seguem ativos, ainda que alguns sob nova direção. Mas muitos dos lugares frequentados por Leminski – e que merecem ser citados – são espaços que já não existem mais, infelizmente.

As Livrarias Ghignone, por exemplo, foi onde Paulo conseguiu seu primeiro emprego, em 1963. Trabalhava como vendedor de livros, mas acabou não ficando muito tempo na função. “Ele foi pedir emprego lá e foi contratado pelo Ghignone. Mas ele ficava lendo livros lá. Não atendia ninguém, ficava imerso nas prateleiras. E aí foi demitido. Acho que ele não trabalhou nem um mês lá”, conta Aurea. Apesar disso, o carinho dele por Ghignone era grande. “Era um grande conhecer de literatura, assim como o Chain. Um tempo depois, inclusive, ele lançou Catatau lá, num evento com casa cheia, super prestigiado na cidade”, recorda.

Além dos livros e da música, o cinema também era outra paixão do poeta. E quando surgiu o VHS, a Vídeo 1 se tornou um lugar que Leminski frequentava direto. “Tinha os filmes de arte lá, ele consumia tudo daquela sessão. Também era alucinado por Hitchcock, Coppola, e gostava muito de bang bang americano. Ele era apaixonado por cinema americano e, no cinema de arte, gostava também dos filmes italianos e franceses. Antonioni, Godard, Pasolini… Isso tudo ele assistia e adorava”, diz a filha.