Terra do primeiro radioamador do Brasil, Curitiba reúne mais de mil praticantes da modalidade

Em todo o Paraná, segundo informações da Anatel, há mais de 3,3 mil pessoas (naturais e jurídicas) autorizadas a explorar o serviço, que pode ser de extrema relevância em momentos de calamidade

Rodolfo Luis Kowalski
LINEU FILHO

Lineu Filho com sua "antrena": paixão pelo radioamadorismo (Foto: Franklin de Freitas)

Na era dos smartphones e das redes sociais, o radioamador – uma prática mais que centenária – segue viva e com força no Paraná. O radioamadorismo é um hobby técnico-científico e um serviço de telecomunicação praticado por milhares de pessoas em todo o estado. E Curitiba, inclusive, é uma referência nacional na modalidade, já que foi aqui onde ocorreu a primeira comunicação radiotelegráfica entre amadores do Brasil.

De acordo com a União dos Radioamadores do Litoral do Paraná, isso aconteceu em outubro de 1909, quando um cidadão chamado Livio Gomes Moreira, que costumava construir seus próprios equipamentos, estabeleceu contato, a partir de sua casa, com José Luz, que morava na Alameda Augusto Stellfeld, a cerca de dois quilômetros de distância. Lívio era nascido em São João da Barra (RJ), mas passou grande parte de sua vida na capital paranaense, onde era chefa do Telégrafos de Curitiba. Além disso, também foi sócio-fundador e diretor técnico da Rádio Clube Paranaense, terceira emissora de rádio do Brasil, e hoje o primeiro radioamador brasileiro dá nome a uma via entre os bairros Ahú e São Lourenço.

E 115 anos depois da primeira comunicação radiotelegráfica entre amadores do Brasil, o radioamadorismos segue forte no Paraná. Mas afinal, o que é isso de radioamadorismo?

Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o radioamadorismo é um serviço de telecomunicações de interesse restrito, destinado ao treinamento próprio, intercomunicação e investigações técnicas, levadas a efeito por amadores, devidamente autorizados, interessados na radiotécnica unicamente a título pessoal e que não visem qualquer objetivo pecuniário ou comercial.

PR é o quinto estado com mais praticantes

Em todo o Brasil, há 42.858 pessoas (naturais e jurídicas) autorizadas a explorar o Serviço de Radioamador. Os estados com mais praticantes da modalidade são: São Paulo (11.444), Rio de Janeiro (4.670), Minas Gerais (3.466) e Rio Grande do Sul (3.349). O Paraná, por sua vez, aparece na sequência, na quinta posição, com 3.315 praticantes. E a maior parte dos radioamadores estão justamente em Curitiba, que reúne 1.112 adeptos do hobby.

Um desses radioamadores do Paraná e de Curitiba é Lineu Filho, que desde a juventude pratica o radioamadorismo – uma paixão que o levou a ter contato com a Física e a Química, por exemplo, antes mesmo dele começar a ter essas matérias na escola.

“O primeiro contato que eu tive com rádio foi no carro do meu pai. Ele trabalhava numa empresa que usava rádio e era comum nos anos 1980 as empresas usarem rádios, os carros terem rádio. Eu gostava daquilo, achava muito legal aquele negócio, porque você falava por ali e não tinha fio, né? Achava interessante. Aí um dia eu tava andando na rua, passei na frente de uma loja de eletrônica e vi um rádio pra vender, um rádio usado. Não era caro, era um negócio barato, porque era um rádio velho. E como meu aniversário estava perto, pedi de presente. Me deram o dinheiro, eu fui lá e comprei o rádio”, recorda ele.

Depois de comprar o aparelho, Lineu descobriu que precisaria de mais equipamentos para seguir em frente com a brincadeira. “Descobri que precisava de uma antena, precisava de uma fonte, que precisava saber mexer e que não era só ligar o rádio e falar. E aí os outros radioamadores é que foram me dando as primeiras orientações, falando ‘oh, você precisa de uma antena, se você transmitir sem antena, você vai queimar seu rádio'”, conta ainda.

Lineu Filho: radioamadores oferecem meios de resiliência em situações de calamidade (Foto: Franklin de Freitas)

Um hobby que faz especialistas. E que pode ajudar a salvar vidas

Não raro, de tão apaixonados que são pelo hobby, muitos radioamadores acabaram se tornando especialistas nisso. E daí, quando ocorre alguma situação de calamidade, eles conseguem, muitas vezes, integrar os rádios da Força Pública que, por algum motivo, não estão bem integrados – o que pode ser feito, por exemplo, com a montagem de uma repetidora do sinal de rádio.

Foi essa aptidão histórica do radioamadorismo nessas situações, inclusive, que legou à criação de uma rede nacional de emergência de radioamadores. No Paraná, por exemplo, a Defesa Civil criou a Rede Estadual de Emergência de Radioamadores (REER), que está vinculada à Divisão de Gestão de Desastres (DGD) e tem como objetivo auxiliar as forças estatais na resposta a ocorrências e desastres que comprometem a comunicação, procurando assim, restabelecer uma linha de comunicação com rapidez e eficiência.

“Digamos que lá no interior do estado uma cidade ficou isolada. O recurso para atender essa cidade vai sair daqui de Curitiba, de um centro de gerenciamento de crises. Tem que mandar recursos e essa comunicação com a cidade afetada, porventura, pode estar colapsada. Lá no município, então, o pessoal do radioamador, já nas primeiras horas, consegue montar uma estação que vai conseguir conversar diretamente com Curitiba e as primeiras informações vão chegar”, explica Lineu Filho. “As primeiras horas [numa situação de calamidade] são decisivas para salvar a vida das pessoas. A REER fornece resiliência para as comunidades e também é um apoio para o Estado”, explica o radioamador.

Como virar um operador?

No Brasil, o serviço de radioamador é regulamentado pela Anatel, que concede autorizações àqueles interessados em operar o serviço de telecomunicação para treinamento próprio, intercomunicação e investigações técnicas. Os interessados, então, devem fazer prova para avaliação de conhecimentos técnicos para conseguir uma habilitação, sendo que existem três classes diferentes de Certificado de Operador de Estação de Radioamador (COER): C, B e A, aqui apresentadas em ordem crescente. Mais detalhes sobre a prova e o passo a passo para se tornar um radioamador podem ser conferidos no site da Anatel (https://www.gov.br/anatel/pt-br/regulado/outorga/radioamador-e-radio-cidadao/radioamador).

Dia nacional do radioamador

Em todo o país, o dia 5 de novembro marca o Dia do Radioamador Brasileiro, em celebração à publicação do Decreto nº 16.657 de 1924, que regulamentava as estações de radioamadores do Brasil (que até então eram clandestinas). Até 1968, porém, a celebração acontecia anualmente em 22 de outubro, quando foi feita a primeira sessão da Assembleia Geral dos Radioamadores Paulistas e Cariocas, que fundiram suas entidades e criaram a LABRE – Liga de Amadores Brasileiros de Rádio Emissão. A fixação do 5 de novembro, por outro lado, aconteceu após meticuloso trabalho de pesquisa realizado pelo radioamador João Ramos Bacaratt (PY2AJ), que levou suas descobertas para o Conselho Federal da Labre, que em outubro de 1968 estava reunido em Curitiba e decidiu por alterar a data da celebração para 5/11, em homenagem ao referido decreto.