Um advogado de Rondonópolis que denunciou o desembargador Sebastião de Moraes Filho, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, por suposto esquema de venda de sentenças pediu proteção à polícia, à OAB e ao Supremo Tribunal Federal após receber ameaças de morte e uma proposta de suborno em meio a uma disputa judicial sobre 224 hectares de terras, divididos em duas glebas. “Marca comigo o lugar para nós trocar tiro”, ouviu o advogado Carlos Naves de Resende no celular.

Ele atribui as ameaças a Luciano Polimeno, outra parte interessada na ação das terras. Polimeno teria dito a Naves que havia ‘comprado’ o desembargador para obter uma decisão favorável a seus interesses no litígio.

O advogado gravou as conversas com Polimeno e preservou a transcrição por meio de atas formalizadas no Serviço Registral e Notarial do Distrito de Cristo Rei, em Várzea Grande, nos arredores de Cuiabá.

São duas atas, referentes a dois áudios.

A primeira ata, datada de 17 de junho, contém a degravação de um diálogo de 18 de maio, às 12h55. Naves filmou, com outro celular, a conversa com Polimeno.

O outro registro cartorial ocorreu em 8 de agosto.

“Seu safado sem vergonha, foi falar mentira”, disse Polimeno, segundo a transcrição. “Cara desgraçado, o que você está querendo? Você é sem vergonha, safado, foi falar que eu tinha comprado todo mundo. Eu não ameaço homem não, rapaz, eu meto na bala.”

No áudio, Polimeno afirma que havia ‘comprado’ o desembargador Sebastião de Moraes Filho, já afastado das funções desde agosto por ordem do ministro Luís Felipe Salomão, então corregedor nacional de Justiça.

Naves pediu ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso que investigue a conduta do magistrado. Em sua defesa, Moraes diz que Naves não apresentou provas que comprovem as acusações, que classificou como “fantasiosas invenções”.

O desembargador pediu o arquivamento da investigação, considerando a “insubsistência das imputações, desprovidas de mínimo indício probatório, a comprovar a ausência de justa causa para o prosseguimento do feito”.

Sabino Alves de Freitas Neto, cliente de Naves na ação sobre a gleba de terras ligada a um inventário, também denunciou à Polícia ter sofrido ameaças.

Segundo o boletim de ocorrência registrado na Delegacia de Rondonópolis, Polimeno disse que iria “lhe dar um pau e quebrar todos seus ossos, o chamou de vagabundo e cadela sem vergonha e tentou subornar seu advogado para renunciar a ação”. Ao pedir proteção à cúpula do Judiciário e também ao Ministério da Justiça, Naves indicou que é “crescente o número de assassinatos motivados por disputas de terras” no Estado.

Ele citou os casos de dois advogados mortos em Cuiabá, um deles Roberto Zampieri, apontado como lobista de sentenças no TJ de Mato Grosso, eliminado com 12 balaços em dezembro do ano passado, à porta de seu escritório.

Zampieri deixou um rastro de mistérios e segredos que pairam sobre a Justiça e reforçam suspeitas que espreitam o desembargador Moraes. A Polícia confiscou o celular do advogado assassinado. Seu conteúdo inquieta a Corte de Mato Grosso e vai além e bate à porta de gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça. São 5 mil diálogos que estão sob perícia da Polícia Federal.

Ao requerer proteção, Naves citou também a morte do advogado Renato Gomes Nery, em julho.

Os detalhes das ameaças que alega ter sofrido constam da reclamação que Naves impetrou no tribunal, em nome de seu cliente, contra o desembargador.

No documento, ele narra que o pano de fundo das ameaças é um processo em que seu cliente pede a anulação de contrato de venda de fazendas. Segundo o advogado, em primeiro grau, seu pedido foi acolhido, com parecer favorável do Ministério Público.

No entanto, quando o processo foi para o Tribunal de Justiça, após um recurso de Luciano Polimeno, o desembargador anulou, em janeiro de 2023, a decisão de primeira instância. Após essa decisão, Moraes Filho adiou o julgamento seguidas vezes, “atendendo a estratégia” de Luciano Polimeno, afirma o advogado Carlos Naves de Resende.

Um novo julgamento foi marcado para o dia 22 de maio. Quatro dias antes, Naves recebeu a ligação de Polimeno. A transcrição dessa conversa faz parte do acervo registrado no cartório de Várzea Grande e detalha um movimento importante do processo.

Polimeno propôs ao advogado um ajuste para que não recorresse contra o acórdão que seria proferido na sessão daquele dia 22. Nesse telefonema, Polimeno diz que o tribunal daria ganho de causa a ele. Contou, ainda, que “já havia conversado com os desembargadores da 2.ª Câmara e que o resultado seria de 3 a 0, sendo que o relator Sebastião de Moraes Filho havia orientado a reunir com os reclamantes e fazer um acordo para que não houvesse mais nenhum tipo de recurso”.

No áudio, Polimeno afirma: “Estou gastando muito para vocês perderem. Então, ao invés de eu gastar muito lá, é melhor eu fazer um acordo com você (Naves). O homem diz que “ganhou cinco partidas”, referentes às vezes em que o caso foi retirado de pauta. Luciano Polimeno diz que está colocando “muito” dinheiro no caso e que “está cansando”.

“Está me custando caro demais para adiar semana a semana, entendeu? Então, antes deles comer, que nós coma, porra! Antes do desembargador comer mais, coma”, afirmou Polimeno na ligação com Naves.O Tribunal de Justiça de Mato Grosso, afinal, acolheu o recurso de Luciano Polimeno.Em junho, Naves decidiu confrontar o desembargador sobre o caso e também nessa ocasião gravou a conversa com o magistrado “diante das ameaças de morte e inúmeras denúncias de que Luciano Polimeno haveria comprado a decisão judicial”.

O desembargador contesta a gravação. Ele afirma que ela foi realizada “contra preceitos constitucionais e até da ética”. Nesse áudio, também degravado em cartório, Sebastião de Moraes diz ao advogado Naves que irá processar Polimeno.

Ainda havia um outro recurso pendente de apreciação e ele acabou não sendo julgado por Sebastião de Moraes. A razão, no entanto, não foi uma eventual declaração de suspeição do magistrado, que agendou o julgamento do recurso para agosto, mas sim seu afastamento determinado pelo Conselho Nacional de Justiça.

Naves relata ainda que, cinco dias após confrontar o desembargador, exibindo a ele a gravação da conversa com Polimeno, este entrou novamente em contato – para questioná-lo por ter denunciado a suposta ‘compra’ de desembargadores.

Nesta ligação, Polimeno diz que ficou sabendo da gravação porque Naves a incluiu no protocolo da reclamação contra o desembargador.

No entanto, o advogado nega ter juntado aos autos o áudio. Ele sustenta que “o próprio relator ou algum servidor com relação direta, entrou em contato com Luciano Polimeno para informar a situação”.

Polimeno desafiou Naves: “Marca comigo o lugar pra nós trocar tiro, eu e você, avisa só para não falar que foi na covardia, que eu não gosto de covardia, rapaz”.

Naves quis saber do desafeto quem havia contado sobre a denúncia que levou ao Tribunal de Justiça. “Tá no processo que você colocou agora, rapaz, você falou que eu tinha te ameaçado de morte”, respondeu Polimeno.

Foi com esse contexto que o advogado pediu a investigação sobre o desembargador, apontando para uma suposta “falta de cautela e de prudência necessárias à condução e julgamento do processo”. Em sua avaliação, Moraes Filho “não se norteou pelo princípio da imparcialidade”.

Naves sustenta que existem “indícios de participação do magistrado em negociação criminosa a fim de manipular a sua atuação jurisdicional para favorecer Luciano Polimeno, ensejando, assim, a necessidade de apuração por meio regular processo administrativo disciplinar”.