Franklin de Freitas – Paulo Pimentel: “Eu não tinha interesse político”

Nascido em 1928 na cidade de Avaré, município do interior paulista, Paulo Cruz Pimentel, ou simplesmente Paulo Pimentel, como é mais conhecido, chegou pela primeira vez ao Paraná em 1955. Sem nenhuma “bala na agulha”, como o próprio afirma, trilhou um caminho de sucesso na política, consagrando-se o governador mais jovem da historia do Paraná ao tomar posse 31 de janeiro de 1966 (título que orgulhosamente ostenta até hoje), e também construiu um verdadeiro império da comunicação, comandando jornais impressos, televisões e rádios, chegando, inclusive, a ser proprietário da maior rede de comunicação do Paraná e do Sul o Brasil.

Aos 91 anos, completados no último dia 7 de agosto, Paulo Pimentel se prepara para lançar seu segundo livro biográfico, que deve sair em novembro próximo. O primeiro livro, escrito pelo jornalista Hugo Sant’ana, fora lançado em 2008 com o título “Paulo Pimentel, momentos decisivos”. Já o novo terá o título “Vim Vi Venci” e está sendo escrito pelo jornalista Cleverson Garrett, com participação do fotógrafo Valquir Aureliano na parte de fotos pessoais, de família e reproduções. Trata-se de um lançamento da Editora Cajarana.

Historia para contar, certamente, é o que não falta, como ele demonstrou em longa entrevista concedida ao Bem Paraná na última quarta-feira, na qual também esbanjou uma memória e saúde invejáveis. “Como já cheguei aos 91 indo para 92, sem nenhuma lesão, eu estou indo bem. Estou absolutamente lúcido, o raciocínio vem, tenho boa memória. Eu estou bem”, afirma Pimentel.

No bate-papo, falou sobre tudo. Contou detalhes curiosos de sua trajetória, como a proximidade com o general e presidente Artur da Costa e Silva, e a inimizade de outro, Ernesto Geisel. Falou sobre sua gestão a frente do governo do Paraná, recordou a ascensão e derrocada de seu império na comunicação e também comentou sobre contemporaneidades, como os governos Ratinho Jr. e Bolsonaro e o retorno dos militares ao Poder, agora pela via democrática, ganhando eleições: “Eles voltaram e não largam mais por 20 anos”, aposta.

Bem Paraná – Queria começar pelo início da tua trajetória, quando deixou São Paulo e veio para o Paraná, nos anos 1950.
Paulo Pimentel – Vamos começar pelo comecíssimo. Eu nasci em Avaré, no interior de São Paulo, e de lá fui para a capital paulista. Entrei no melhor colégio de São Paulo, o Colégio Rio Branco, me formei em Direito e lá no quinto ano (do curso) comecei a trabalhar. Foram seis anos trabalhando como advogado. Aí o meu sogro tinha uma usina de Açúcar em Porecatu (no norte paranaense). Eu não conhecia o Paraná, nada. Estava muito bem na Votorantim e não queria sair de lá. Mesmo os meus patrões, os Morais, não queriam que eu saísse. Mas acabei saindo porque fui salvá-los (a usina dos Lunardelli), lá não tinha nenhum advogado capacitado para tocar uma empresa daquelas. Durante dois anos fiquei como advogado da empresa, ainda morando em São Paulo. Depois de dois anos eu virei superintendente. Quando eu fui chamado para ser secretário (da Agricultura no Paraná, no governo Ney Braga) eu já era superintendente da usina.

BP – Seu irmão, curiosamente, acabou vindo antes para Curitiba…
Paulo Pimentel – Ah, sim. Nós fomos para São Paulo, eu, meu irmão e um amigo. Ficamos dois anos em São Paulo, terminamos o curso e prestamos vestibular. Eu passei na Faculdade de São Paulo, eles não. Mas eles passaram em Curitiba e vieram para cá. Aí eu fiquei sozinho em São Paulo. Naquela época era final de guerra, numa miséria danada, não tinha o que comer. Fiquei doente e me levaram para casa da minha tia, no Jardim Paulista. Aí já foi meio caminho andado para eu mudar de nível social. Estava na faculdade de Direito e queria entrar na alta sociedade. Aí fui morar no Jardim Paulista e vi que precisava me associar ao (Clube) Paulistano. Fui comprar uma apólice, um título, e disseram que se não tinha quem me apresentasse não daria para ingressar. Descobri que meu vizinho era secretário de segurança. Pedi para ele me indicar, ele assinou e virei sócio do Paulistano. Aí entrei pra sociedade, conheci a Yvone e casei com ela. Os amigos falavam: “agora você está rico, nunca mais vai trabalhar”. Ah, é?! Pois eu trabalhei a minha vida inteira e nunca precisei de nada deles (Lunardelli) e nunca recebi.

BP – E como surgiu essa oportunidade de ingressar na política?
Paulo Pimentel – Daí vem o episódio do candidato, o Ney Braga, que passou por lá (Porecatu). Eu absolutamente não tinha interesse político. Ganhava muito bem e a política iria reduzir meus vencimentos. Mas daí o Ney passou por lá, falou para jantar comigo. Conversamos até de madrugada. Quando foi embora, pediu um motorista e eu cedi. E quando esse motorista voltou, falou que eu ia ser secretário, porque o governador tinha gostado de mim. Eu sempre passava o Natal m São Paulo. Do Paraná eu conhecia Londrina e Porecatu, nunca tinha vindo para Curitiba. Mas no Natal ele (Ney Braga) me telefonou, falou para eu vir até Curitiba. E eu aqui cheguei na manhã do dia 26 (de 1960). Não conhecia nenhuma pessoa aqui. Aí lembrei do Hermes Macedo, ele tinha uma fazenda lá no Norte e ia lá de vez em quando, morava aqui, e fiquei com ele até o dia seguinte. Só ele eu conhecia, e ninguém mais. O campo era completamente desconhecido. Quando fui me encontrar com o Ney, ele me ofereceu a secretaria da Agricultura. Eu absolutamente recusei. Era advogado e administrava uma empresa privada, Agricultura era um outro time. Mas ele insistiu, conversei com meu sogro e aí aceitei o convite. Vim tomar posse no dia 20 ou 30 de janeiro, que naquela época era diferente (a data em que começavam os mandatos).

BP – E como foi a experiência à frente da pasta de Agricultura? Foi a partir dali que seu nome ganhou força para a eleição de 1965, na corrida pelo governo estadual…
Paulo Pimentel – Assumi a secretária com grande dificuldade. Não tinha dinheiro, não sabia o que fazer lá. Não tinha fundo para comprar remédios, animais e tal. Tinha lá uns funcionários e o governador ficou sete meses sem pagar. Teve uma rebelião, consegui contornar. Mas sentava lá, não tinha o que fazer. E aí resolvi inventar moda. Vamos inventar! Aí inventei a troca de boi, a compra e venda de sementes. Aí apareceram as máquinas da secretária de Agricultura, que ficaram presas em Paranaguá. Consegui liberar, coisa que não tinha acontecido no governo anterior. Aí comecei a aparecer. No primeiro ano na secretaria já começou a mudar. Aí teve uma festa, fui convidado para receber um prêmio. Fui lá receber e na hora do discurso o Aníbal Khury me saudou, disse que ali estava o futuro governador do Paraná. Daí eu me surpreendi. Não tinha partido, não tinha ligação política, não tinha companheiro, não tinha nada. Mas picou a mosca. Eu falei ‘será que dá?’. Aí comecei a conhecer os candidatos concorrentes, achei que dava. Vi também que precisava montar um jornal, a imprensa não me dava espaço, eu cheguei de fora. Aí começamos a batalhar e chegou um cara que falou que o Estado do Paraná estava à venda. Fui lá e comprei o Estado do Paraná, que foi o que me deu sustentação como candidato. Nesse tempo o jornal era muito lido. Aí começamos a luta para ser candidato. Disputei a convenção do PDC com Afonso Camargo Neto, que era presidente do PDC e candidato a governador. Ganhei e ele não registrou minha candidatura. Participei também da convenção da UDN, ganhei e o presidente do partido não me registrou. Fiquei só com o PTN, do Aníbal Khury. Mas continuei lutando pelo governo e tive sérios atritos com o Ney Braga. O candidato dele era o Afonso Camargo, mas não dava, ele não tinha voto.

AI-5
‘Ney Braga seria o presidente’

Bem Paraná – Durante seu governo houve um episódio em que os militares queriam fechar a Assembleia Legislativa. O senhor conseguiu impedir isso graças à sua proximidade com o então presidente Artur da Costa e Silva.
Paulo Pimentel – Eu fiquei amigo do Costa e Silva e da Dona Iolanda, que era curitibana. Eu ia constantemente lá, manifestava meus descontentamentos, dava orientação a ele. E acabei ficando amigo do Costa e Silva. Depois, quando houve o AI 5 (Ato Institucional Número 5), foi o que desesperou o Costa e Silva. Ele não queria, tanto que não foi pra televisão. Eu fui vê-lo em Petrópolis, ele estava numa salinha. Eu falei, “presidente, queria fazer uma sugestão. O senhor vai a Curitiba, fica seis dias lá, leva o governo inteiro. E o senhor vai sair desse torpor que está aí, vai ver que o povo sabe que o senhor não queria o AI-5”. Ele chamou todo mundo, ninguém concordou. Os milicos todos ficaram contra mim. Aí eu fiz essa proposta, ele recusou. Chamou o Andrada, Médici, Geisel, ninguém topou. Aí eu falei ‘então o senhor vai morrer sentado’. Saí e conversei com a Dona Iolanda, pedi para ela me ajudar. Ela falou ‘vou trabalhar, Paulo’. Dez dias depois ele (Costa e Silva) me telefonou: ‘Topei a sua ideia’. Fui conversar com todos os sindicatos, todos os prefeitos. Todo mundo com medo, né. Mas convoquei a população, todo mundo. Do aeroporto até o Palácio Iguaçu fecharam filas. Ele veio vestido de púrpura e com um medalhão. Um coronel foi preparar a recepção e quando contei o que queria fazer ele quase me bateu. Mas aí o presidente chegou e topou tudo. No aeroporto tinha umas 500 pessoas, o Costa e Silva cumprimentou todo mundo e fomos embora, com ele dando tchau para todo mundo. Chegamos ali onde hoje fica o Mueller e falei ‘presidente, vamos descer’. Lotado de gente. O secretário falou que eu estava louco, que a gente ia apanhar na rua. Mas aí ele (presidente) topou e nós descemos. Ele foi ovacionado, foi um sucesso.

BP – Foi nesse episódio, em que o senhor foi contra o que queria a cúpula militar, que começou o atrito com o Geisel?
Pimentel – Um deles foi minha aproximação com o Costa e Silva, que eles não gostavam. E houve um episódio interessante, quando eu não conhecia ainda o Costa e Silva. Ele tinha controlado uma rebelião no Rio de Janeiro e salvou um quartel militar. Aí no dia seguinte o ministro Costa e Silva queria falar comigo, 4 horas da tarde. Quando chego em Brasília, tinha um coronel fardado e um coronel sem farda. O coronel sem farda representava o Costa e Silva. O coronel fardado representava o presidente da República (Castelo Branco). Antes de falar o coronel sem farda, o coronel fardado me chamou, falou que o presidente da República estava me esperando. Expliquei que o Costa e Silva estava me esperando, mas ele falou que tinha de ir ver o Presidente antes. Aí eu fui lá. Chegando no Palácio do Planalto, presidente sentado aqui (numa cadeira), o Geisel, chefe da Casa Militar, e o Golbery, chefe da Casa Civil. Aí perguntaram o que ele (Costa e Silva) queria comigo e eu falei que não sabia, não o conhecia. Aí começou um ‘vai’, outro ‘não vai’, e o Castelo Branco já titubeava. Aí eu falei: “Eu sou um cara sério. Se eu não for lá, preciso me justificar”. E aí ele (Castelo Branco) falou ‘vai, então’. Foi aí que começou. Me encontrei com o Costa e ele falou que queria que eu fosse ao Ney Braga e falasse para ele parar de encher o saco. Queria que ele fosse o seu vice. Eu achei a solução melhor do mundo. Eu liguei pro Ney, disse que precisava falar com ele imediatamente. Ele estava no Ministério da Agricultura. Aí eu contei da proposta do Costa e Silva, disse que ele deveria aceitar. E ele disse ‘eu não aceito, você me traiu’. Eu ainda falei ‘mas ele que me chamou’. Mas ele não aceitou. Meia hora depois anunciaram a escolha do Pedro Aleixo. Só que o Costa e Silva morreu (em 1969, no meio do mandato). Se fosse o Ney o vice, ele seria presidente da República, porque ele era general. Depois, um dia, nós conversando, ele falou: “Fiz uma besteira. Estava tão irritado com você que não quis aceitar”. Mas foi assim.

MÍDIA
‘Sobrevivi a perseguições graças a meus contatos’

Bem Paraná – Nessa mesma época o senhor começa a construir um verdadeiro império da comunicação
Paulo Pimentel – Consegui a concessão da TV Iguaçu, não tinha televisão ainda. Isso foi depois da eleição (para governador), na eleição tinha só o jornal (O Estado do Paraná e a Tribuna do Paraná). Aí veio a TV Tibagi, a afiliada da Rede Globo, e aí foi um boom. Virou a maior do Sul. Só que os milicos disseram na minha cara, aqui no Teatro Guaíra: ‘nós vamos acabar com você’. Eu ainda perguntei o que fiz de errado e eles responderam ‘não pergunte, nós vamos acabar com você’. Fiz miséria para poder sobreviver, cheguei ao final do mandato e saí de lá (Palácio Iguaçu) carregado. Ganhei um relógio de ouro do Poder Judiciário, uma homenagem. Eu estava com tudo. Quando acabou o governo eu comprei a TV Coroados. Mas os milicos estavam na minha cola porque eu ia lá e discutia com eles. Aí fecharam a Rádio Iguaçu só porque era do Paulo Pimentel. Até uma radiozinha que eu tinha no interior, escutaram meu nome e fecharam também. Sobrevivi à perseguições graças aos meus contatos no governo federal, que foram minha salvação. No governo Figueiredo voltei à normalidade. Aí Silvio Santos comprou a TV Tupi, eu me acertei com ele.

BP – Com o AI-2 e a instituição do bipartidarismo, por que o senhor decidiu se filiar à Arena?
Pimentel – Porque não havia alternativa. Era a Arena e o resto era o resto. Eu não contava era com a briga interna dos militares, e eles brigaram rápido. Eu entrei na fria de me misturar com eles, fiquei no meio do fogo cruzado. Mas o MDB não tinha candidato, ia perder a eleição. E aí eles acharam o Bento Munhoz da Rocha Neto, um cara bom, de tradição, falava bem, já tinha sido governador. E eu era minúsculo. Cheguei quatro anos antes sem conhecer Curitiba. Quatro anos depois estava eleito governador, com 60 mil votos. Era Davi contra Golias, não tinha como lutar e eu guerreei com vontade e ganhei a eleição, com sorte, né, um pouco também. O governo começou com atrito. Metade do governo era gente do governo anterior, metade era gente do meu governo. Aí começamos a brigar, eles não queriam me obedecer. Até o dia em que convidei o Bento para ser presidente do Concurso Nacional de Contos, melhor concurso brasileiro, o campeão foi o Dalton Trevisan. E o Bento aceitou. Eu esperava que ele não aceitasse, mas eu queria estar bem com ele. E ele era inimigo violento do Ney, mas eu não conhecia essa briga.

BP – Quais o senhor acredita que foram os principais marcos de sua gestão como governador?
Pimentel – Primeiro vou contar uma historia para você. Quando eu assumi o governo, o Estado estava em tendência de subdivisão. Havia o estado de Paranapanema, que era o norte do Paraná e teria como capital Londrina. Ficaria o estado do Paraná, do litoral até Guarapuava e o Iguaçu, com capital em Foz do Iguaçu. Essa era a tendência. Então eu tive de costurar para evitar isso. Luz elétrica não tinha. Nós complementamos o programa da Copel, compramos 20 e poucos motores diesel e espalhamos pelo estado. O programa de energia elétrica era preciso para unir os três estados, e hoje na Copel é um sucesso. Aí vem as estradas. Fiz Maringá – Apucarana, Maringá – Umuarama, Maringá – Campo Mourão e Maringá – Paranavaí. Mas a maior estrada minha foi Pato Branco – Três Pinheiros. A estrada de Pato Branco era bem longe de Curitiba. Eu fazia reuniões locais, falaram de fazer Pato Branco – Três Pinheiros e eu achei genial, porque ia pegar a BR-277. Construí e dois anos depois estava o sudoeste ligado (com a Capital). Outro marco foi a educação. Tive especial carinho com a Fundepar (Fundação Educacional do Paraná, hoje chamado Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional). Não deixava faltar material, não deixava faltar medicamento. Eu não deixava. Montamos as escolas tudo pintadinhas. E aí eu resolvi criar o Instituto de Educação e construí o espaço onde hoje fica o Museu Oscar Niemeyer (MON). Quando o Jaime (Lerner) resolveu chamar o Oscar Niemeyer, ele falou que antes precisava chamar o Paulo. Mandou um motorista aqui e eles diziam para mim que iriam fazer um olho. A ideia do Olho não é do Jaime, é do Oscar Niemeyer. Aí eles explicaram o que iriam fazer e eu concordei. Outra coisa: eu queria levar o ensino superior para o interior. Ninguém queria. Os professores de Curitiba se irritavam com a minha ideia. E eu queria fazer uma universidade: a universidade de Londrina, para ter curso de Medicina. Mas aí Maringá e Ponta Grossa fizeram passeata. Tive de fazer três universidades. Aí eu fui comprar a Fazenda Perobal, entre Londrina e Cambé, onde fica o atual câmpus universitário. Mas o dono não queria vender pro governo. Aí eu comprei para mim e depois transferi pro governo. Depois tive dificuldade pro governo me pagar (risos)… Na Agricultura, no período de trocar o café por soja, tudo isso foi da minha parte. Até então era café e algodão. A agricultura tem esse feitio hoje, de primeiro mundo, em grande parte por causa do meu governo.

BP – Por que na época o senhor decidiu apostar na soja?
Pimentel – A soja veio como uma avalanche dos Estados Unidos e começaram a plantar em São Paulo, Minas. Mas nós erramos e eu participei do erro. O café desapareceu mesmo em 1975. Aí nós, em vez de recuperar o café, que tinha uma estrutura muito boa, acabamos de matar o café. O governo criou um instituto chamado Geca -Grupo de Erradicação da Cafeicultura. Aí, quando teve um baque, queimou as terras e tivemos de descartar tudo.

BP – O senhor já comentou sobre a construção do Grupo Paulo Pimentel. E como foi se desfazer dos seus negócios de mídia? Por que decidiu vender as empresas de comunicação?
Pimentel – Fiquei 40 e tantos anos no Estado do Paraná, 40 e tantos anos escrevendo no jornal com pseudônimo e 30 anos com comentário na televisão. Era um sucesso. Mas quando eu vi o bispo chegando na Record, percebi que iria para o terceiro lugar. Aí quando eu senti que iria piorar muito, vendi. Eu já não gosto nem de ser segundo… A ideia era vender pro Muffato, mas ele bobeou e acabei vendendo pro Ratinho.
BP – Como vê esse momento, em que podemos falar que há um enfrentamento entre a imprensa e o presidente Jair Bolsonaro?
Pimentel – Eu credito isso a essa burrice do Bolsonaro e à clausura que se colocam os donos dos jornais. Eles (donos dos jornais) não vão procurar o Poder. O Roberto Marinho era um empreendedor. Já os filhos deles, cada um tem R$ 1,6 bilhão. Estão enclausurados e são incapazes de pegar o telefone e ligar para ele (Bolsonaro). Do outro lado, Bolsonaro é burro também de não ligar e falar ‘ô, Frias (família dona da Folha de S. Paulo), eu quero ir aí’. O Bolsonaro não entende, ele é fora de época. O estilo dele é de 100 anos atrás. Falta diálogo, então ele dá cacete na imprensa e a imprensa responde. Mas ninguém pode governar com a imprensa chumbando desse jeito. Era preciso que alguém tomasse a iniciativa. A imprensa só sobrevive se divulgar todos os fatos que acontecem. Fatos bons e ruins. Os bons o governo quer, mas ele não agradece nada. O que os donos dos jornais têm de cobrar do governo é que eles dão a melhor fiscalização. Melhor que o Sergio Moro, melhor que a fiscalização da Lava Jato, é a imprensa que faz.. A imprensa é melhor investigadora que a Polícia Federal. Então a imprensa tem de ser subsidiada, senão não sobrevive e o país precisa da imprensa. É um suicídio (do governo, esse conflito). Sem a imprensa o governo acaba. A imprensa é melhor fiscalizadora que os Tribunais de Conta. A imprensa é quem faz esse serviço. Veja esse bobão, Janot. O cara vai confessar uma coisa que não fez… Ele não tem de confessar nada. Isso é tudo mentira, tinha de vir e falar que é mentira e acabou. É uma cambada que está lá em cima.Eu acho ainda o Bolsonaro uma pessoa despreparada. O cargo enche a pessoa, ela tem milhares de responsabilidades. Ele nomear o filho para embaixador… Tinha de alguém lançar o filho, não ele próprio. Daí vai lá e chama a esposa do presidente da França de feia. Ele tem que dominar o Congresso, ele não domina o Congresso. Tem de liberar as verbas. Ele vai fazer um ano de governo e está rodando em falso. Do outro lado, ele tem feito boas coisas. O relacionamento tão amigável com o presidente dos Estados Unidos… Ele agora virou um nome mundial. Fazendo burrada ou não, é conhecido mundialmente. E a economia começou a andar melhor, conseguiu um fôlego com as privatizações, a Lava Jato também deu mais alguns bilhõezinhos. Então o governo começa a andar e se ele melhorar o stilo de vida dele… Ele não tem oposição, ele faz a própria oposição. Até os milicos ficam bravos com eles. Ele vai indo razoável até aqui, está tomando medidas que o povo queria. Ele ainda é uma pedra bruta, precisa agir como Presidente da República, que é quase como um rei. E como rei tem que se comportar como manda a aristocracia, sem deixar de ser povo, claro. Mas na hora que senta na cadeira, é o presidente da República. Não pode dar entrevista toda hora. Outra coisa: como ele não é grande orador, tem que fazer discurso escrito, senão só fala bobagem. Entrevista, então… É nas entrevistas que ele cai. Mas se ele endireitar, vai fazer um ótimo governo.

BOLSONARO
‘Militares não largam mais por 20 anos’

Bem Paraná – Como é para o senhor, que foi perseguido pelos militares, vê-los novamente no poder?
Paulo Pimentel – Quando eu vi a candidatura do Bolsonaro, eu fiquei apreensivo. Qual foi a jogada dos militares: eles queriam voltar ao poder. A Primeira República foi dominada por eles. Os militares, em 1964, eles ganharam o poder na sorte. Presidente (João Goulart) fugiu e eles tomaram conta. Durante 20 anos eles ficaram no poder. Fizeram governos bons no começo, mas do meio pro final a corrupção dominou e eles tiveram de sair de cabeça baixa. Ficaram 30 anos no quartel, sem fazer nada, só estudando. Na primeira oportunidade… Esse caso do Bolsonaro é um estudo bem feito. Eles bolaram uma maneira de voltarem pro poder agora via normalidade, ganhando eleição. Então eles voltaram e não largam mais por 20 anos. Então o Bolsonaro, se não der certo, eles tiram o Bolsonaro e botam o vice. Isso é natural. O que eles não querem mais é cair. São 300 militares no governo, 10 generais da ativa. Então o Bolsonaro tem de se endireitar, tem de se comportar, senão vai cair. Mas se ele se endireitar, vai fazer um bom governo.

BP – Acredita na possibilidade de uma ruptura institucional, uma quebra com relação ao Estado Democrático de Direito?
Pimentel – O negócio dos militares, hoje, é ganhar a eleição. Eles vão ficar com a presidência da República por mais 20 anos. Não se pode ficar tanto tempo no poder, só que eles estão lá via eleitoral. Na última eleição o povo brasileiro demonstrou uma maturidade que eu imaginava que ainda não tivesse e elegeu o Bolsonaro para acabar com o PT, a roubalheira do Lula. O Lula é um grande ladrão. Tem suas características de bom político, mas é um grande ladrão, um mau caráter. E hoje o Lula é carta fora do baralho. Ele vai sair da prisão e vai embora para casa. Ele vai querer se pronunciar, mas vai ficar fora. Mas a pior coisa que aconteceu no Brasil é o desrespeito ao Supremo Tribunal Federal. Todos eles aí com mulher que é advogada, participando da marmelada. São pouquíssimos ministros que fazem jus. Eu achava o Supremo um rol de divindades, mas aí vi essa porcariada. O Judiciário não se habilitou para conquistar a opinião pública.
Agora querem acabar com o Moro. Ele pode ter cometido um ou outro exagero, mas foi o cara que, como juiz, ninguém o acusou de ladrão. Então o Moro, para a opinião pública, é um cara à parte. Se ele se candidatar presidente da República, ele ganha do Bolsonaro hoje.

BP – O senhor é até hoje o governador mais jovem do Paraná. Ratinho Jr. é o segundo, com uma diferença de três meses. Como é tua relação com o atual governador e qual a avaliação que faz desse início de governo?
Pimentel – Eu tenho muito boa relação com o pai dele, que é com quem eu mais convivo, tenho negócios. Eu tive o prazer de trabalhar aqui (na imprensa), depois como candidato também trabalhei com ele. Gosto dele. Acho só que o governo dele está faltando publicidade, e aí entra a imprensa.

BP – Seus netos estão na política. Eduardo é vice-prefeito, o Daniel, presidente da Copel. Eles te consultaram antes de assumir os cargos? O senhor conversa com eles sobre política, os aconselha?
Pimetel – Eles vieram me contar, praticamente. Eu apoiei. O Eduardo acho que deve continuar junto com o prefeito atual, deve continuar junto do prefeito. Eles conversam comigo, mas não a título de conselho. Eles são muito preparados. O Daniel é super preparado, tem curso em Harvard, foi presidente da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) quatro vezes. E o Eduardo é muito preparado, o mandei para Nova Zelândia, ficou um ano lá. Eu educava meus netos na Suíça. Daí um dia fui lá, tinha uns 40 brasileiros e só falavam português. Aí eu falei ‘não’. E mandei ele para Nova Zelândia. Mas eles estão muito bem, eu acho, são preparados e não precisam dos meus conselhos. Mas quando os pedem, eu dou. Tiveram ótima educação, com os princípios que mais valem, que valem mais do que um montão de dinheiro. Nunca persegui ninguém. Claro que demiti quem não estava à altura do cargo. Mas não tem ninguém que eu tenha humilhado. Meus funcionários estão aí. Todos os jornalistas gostam de mim. E o que passou de jornalista…

BP – O senhor apoiou seus netos na política, mas seu pai foi contra o senhor entrar nesse meio…
Pimentel – Foi a minha mãe. Meu pai foi prefeito de Avaré, meu avô era líder político. Mas minha mãe nos doutrinava, fomos criados na ideia de que política era negativo. E aí eu cheguei aqui e virei político, eu não queria isso. Meu sonho, desde que entrei na faculdade, era ser catedrático de Direito Civil da faculdade de São Paulo (USP). Mas a vida muda… Comecei aqui sem bala. Mas comecei, virei político, virei empresário, o maior empresário de comunicação do estado. Só não fui mais porque os milicos não deixaram, me derrubaram. Tomaram tudo o que eu tinha. Sempre que eu ia lá e ouviam as minhas lamúrias, eu sentia que eles adoravam aquilo. Não pode perseguir desse jeito. Agora estão todos no inferno. Eu estou aqui.

BP – Hoje, como passa seu tempo? Ainda atua como empresário ou já está curtindo a aposentadoria?
Pimentel – Eu prefiro não aposentar. Tenho ainda fazenda de milho, de soja, de cana. Tudo aqui no Paraná. Fora, só tenho um apartamento em São Paulo.

BP – A questão da idade preocupa?
Pimentel – A interrupção da minha vida não depende de mim. O que depende de mim é me conservar, e é o que eu faço. Como já cheguei aos 91 indo para 92, sem nenhuma lesão, eu estou indo bem. Estou absolutamente lúcido, o raciocínio vem, tenho boa memória. Eu estou bem. A tristeza do idoso é o isolamento, os amigos vão morrendo, ele fica isolado, não tem com quem conversar. Comigo isso não acontece. Até a esquina ali eu já cumprimento uns cinco, seis. Minha mulher que briga comigo, ela nem gosta de sair comigo por isso.

BP – O senhor já pensou em como será lembrado ou em como deseja ser lembrado pela historia?
Pimentel – Não me preocupo com isso. Claro que o que se deseja é o registro histórico. Como eu passei pela vida pública e fiz alguma coisa, o que eu pretendo é alongar mais a minha convivência com os vivos, que aí a minha obra vai ficar por mais algum pouco. Minha alegria é essa. A única coisa que eu quero é ser cremado, porque eu acho um alívio ficar fora do caixão.