DJ NEO CLASSIC CONSELHEIRO DO TRIBUNAL DE CONTAS LUIS FERNANDO GUIMARAES
Fernando Guimarães, o DJ NeoClassic, no festival Seja A Lenda, em Morretes: “A vida tem sido muito generosa comigo” (Foto: Franklin de Freitas)

Se alguém lhe falasse para pensar na figura de um renomado jurista, presidente de um Tribunal, como você imaginaria tal pessoa? Provavelmente o terno e gravata fariam parte da composição, possivelmente também uma toga. Uma aparência séria, talvez até mais sisuda, quiçá seria algo recorrente. Mas em Curitiba, o presidente do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), Fernando Guimarães, é alguém que contraria qualquer estereótipo.

Aos 66 anos de idade, Fernando Augusto Mello Guimarães está em seu segundo mandato presidindo a Corte (já havia comandado o Tribunal no biênio 2011-2012 e agora ficará até o final de 2024 na função). Só que além da sua face mais conhecida do grande público, como jurista, Guimarães também é DJ, mergulhador e um apaixonado pela tatuagem, somando centenas de horas na ponta da agulha e sempre se apresentando em público com uma invejável barba comprida e brincos.

Eu acho que a vida é equilíbrio. Quando você consegue equilibrar as coisas, você não tem como separar”, afirma o aristotélico Guimarães, que atuou como advogado por 13 anos. Isso até passar em primeiro lugar no primeiro concurso público para procurador junto ao Tribunal de Contas, cargo no qual exerceu a função de Procurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (2001-2002). Em seguida, no final de 2002, foi nomeado conselheiro da Corte pelo governador Jaime Lerner.

“A vida me conduziu ao Direito”, diz Fernando Guimarães

Curiosamente, o Direito não foi a primeira opção de carreira do hoje presidente do Tribunal de Contas. Em meados dos anos 1970, quando ele foi prestar vestibular, seu desejo era cursar Engenharia ou Arquitetura, os cursos da moda na época.

“Mas passei em Direito e não passei em Arquitetura e nem em Engenharia. E aí fui fazendo o curso na Faculdade de Direito de Curitiba [hoje UniCuritiba] porque era no mesmo dia e horário da Federal, de noite, e meu pai tinha um cartório. Pensei ‘bom, vou trabalhar com meu pai e, se eu gostar, continuo. Se não, eu tranco’. E acabei me dando bem”, diz ele, celebrando o fato de que a vida tem lhe tem sido “muito generosa” até aqui. E um tanto surpreendente, também.

Antes de passar no concurso para o TCE, Guimarães já tinha seu próprio escritório de advocacia e ainda exercia cargos em comissão (como assessor jurídico da Minerais do Paraná S.A., a Mineropar, e do próprio Tribunal de Contas). Além disso, gostava da autonomia como advogado e do fato de permanecer em Curitiba, sem ter de ficar “pulando de cidade em cidade”, como costuma ocorrer no funcionalismo público.

“Nunca quis fazer concurso. E aí apareceu o primeiro concurso do Ministério Público junto ao Tribunal e eu percebi que era uma oportunidade, porque aqui estou em Curitiba e é uma instituição que eu sei que pode crescer muito. Acabei fazendo despretensiosamente e passei em primeiro lugar”, conta Guimarães, comentando ainda que as coisas em sua vida simplesmente “foram acontecendo”.

“Eu tenho um perfil de conversar com todo mundo e vou vendo as oportunidades. Por isso eu conquistei respeito no Centro Cívico: pelo meu jeito de ser, nem tanto pela competência, até brinco. Fui o primeiro procurador-geral do Ministério Público de carreira, o primeiro conselheiro de uma vaga técnica concursada, o primeiro presidente da vaga técnica concursada. Acho que tenho que agradecer à vida por isso e tento retribuir no meu dia a dia aqui. Sem ser presunçoso, tenho uma missão de tentar fazer o meu melhor”

Fernando Guimarães, presidente do TCE-PR

A paixão pelas tatuagens: 390 horas ‘na ponta da agulha’

Antes mesmo de ingressar no funcionalismo público, Fernando Guimarães já havia se iniciado na arte das tatuagens. Em 1989, começou a transformar partes do seu corpo em obras que foram ganhando novos contornos e significados na medida em que o próprio Fernando também foi mudando. É por isso, por exemplo, que o presidente do Tribunal de Contas já nem consegue mais dizer quantas tatuagens tem no corpo (especialmente nos braços e dorso).

“Não posso dizer quantas tatuagens tenho porque fui fazendo uma sobre a outra e fui transformando. Mas esses dias, brincando, eu calculei mais ou menos quantas horas deu tudo. Desde 1989, deu 390 horas de tatuagem, entre as originais, coberturas, de colorir e tudo o mais”, conta ele, cuja primeira tatuagem foi uma águia, representando um momento de libertação.

“Eu cheguei num ponto em que falei ‘não vou ser mais o que os outros querem. Vou ser aquilo que eu sou, quero conhecer quem eu sou'”, afirma o jurista.

Hoje, por cima do desenho da águia (sua primeira tatuagem) está uma sereia flutuando (“representou outro momento da minha vida”, explica). Embaixo, posteriormente, foi desenhada a cena de um naufrágio.

“E o naufrágio, o que ele é? Às vezes, para construir uma coisa, você tem que desconstruir, porque o naufrágio depois vira um biótipo. É um bioma próprio, onde vão viver peixes, corais e algas, vai se formando uma outra coisa”, afirma ele, num exemplo de como há todo um ideário, uma construção fortemente simbólica e pessoal por trás do que o presidente do Tribunal de Contas chama de “minha história em quadrinhos”.

Presidente do TCE, mas também instrutor de mergulho, fotógrafo e viajante

As referências marinhas nas tatuagens de Guimarães, inclusive, foram se tornando mais recorrentes com o passar dos anos. Um tubarão, baleias, um polvo e uma tartaruga estão marcadas em seu corpo, por exemplo, cada um com simbolismo próprio. Um reflexo, também, da paixão dele pelo mar.

“Tanto que eu fui instrutor de mergulho, na época em que trabalhei no Ministério Público. Fiquei cinco anos dando aula”, relata o presidente do Tribunal de Contas, explicando ainda que dava aulas para custear a própria atividade, adquirindo equipamentos ou até viajando de graça, como instrutor contratado por uma agência.

“Foi uma fase muito boa da minha vida, em que curti muito. Eu também já vendi tapete na feirinha, já fiz camiseta, estampa pra camiseta de mergulho, tive aquário, faço fotografia, já viajei a América Latina de moto… A vida é muito ampla pra gente ficar só numa coisa”, ensina ele.

Fernando Guimarães agora é também o DJ NeoClassic

Mais recentemente Fernando Guimarães, que sempre foi um apaixonado por música, acabou descobrindo que também tinha em si a musicalidade. Essa descoberta ocorreu através da música eletrônica, após ele ser convidado por amigos para uma festa desse gênero em dezembro de 2017.

“O que me contagiou foi a energia da pista e aí comecei a frequentar algumas festas e festivais. E quando gosto de alguma coisa, quero aprender”, explica ele, que terminou o curso de DJ em 2019 e já começou a tocar em festas de amigos e alguns bares. Nascia o DJ NeoClassic, nome adotado em referência ao movimento do neoclassicismo.

“Mas eu sou o que sou. O velho, o novo. O velho no contemporâneo, o contemporâneo misturando o clássico. Então ficou o NeoClassic”, conta ele, que só no último mês se apresentou em três finais de semana. Eventos como o Seja A Lenda (realizado em Morretes), o Warung e o Universo Paralello também já estão no seu currículo musical.

“A coisa foi indo, foi indo, e está acontecendo”, celebra o jurista e, agora, também DJ.

Aposentadoria à vista?

Aos 66 anos, Fernando Guimarães garante que a aposentadoria ainda não é algo que passe por sua cabeça. Não, eu amo o que eu faço aqui. Eu pretendo tocar em alguns festivais na América Latina, se Deus quiser de novo, pelo terceiro ano seguido, vou tocar no Universo Paralello, mas dá para comptabilizar minha atividade musical com o Tribunal. Não penso em me aposentar, amo tanto o que faço aqui como a música. Para mim, são as duas das coisas com as quais vou conviver daqui pra frente”, assegura.

Os momentos que tem vivenciado com sua vida multifacetada, inclusive, acabam sendo combustível para que Guimarães siga em frente com suas diversas atividades. Uma coisa que o comove bastante, por exemplo, é a reverência que recebe dos mais jovens.

“Eu sempre brinco com eles: ‘Todo pai chegou para vocês e dizia que quando tinha tua idade já trabalhava, já tinha filho, já sustentava, já não sei o quê… Hoje, vocês viram pra mim e dizem que quando tiverem a minha idade, querem ser como eu sou’. E isso é muito bom, porque é um carinho desinteressado. Eu não tenho nada a oferecer a não ser quem eu sou, não o que eu faço. Entendeu? É algo gratuito, é muito doido. E eu tenho me divertido bastante, tenho compartilhado bastante”, celebra.