PSOL promete desfazer mitos sobre o Paraná

Pré-candidato ao governo diz que partido pretende questionar crença de que estado é “branco, europeu e sem desigualdades”

Ivan Santos política@bemparana.com.br

O PSOL nasceu de uma dissidência do PT, quando políticos e ativistas deixaram o partido do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva por não concordarem com os rumos do governo em questões como a reforma da previdência e o pragmatismo que em nome da governabilidade, admitia alianças com políticos da direita conservadora. Dez anos depois, o partido se prepara para disputar eleições em um momento em que as ruas parecem ter dado razão a boa parte das bandeiras mais radicais da legenda, como a tarifa zero para o transporte coletivo e a desmilitarização das polícias. 

No Paraná, a sigla lançou Bernardo Pilotto, assistente administrativo da Universidade Federal, de 30 anos, como pré-candidato ao governo, disposto a desfazer, na campanha, o mito de um Paraná branco, europeu e sem desigualdades. E ao mesmo tempo, de mostrar que a pré-candidata do PT, senadora Gleisi Hoffmann, não é uma alternativa real de oposição. Em entrevista ao Bem Paraná, Pilotto explica como a legenda vê todo o processo deflagrado pelas manifestações de junho de 2013, e como elas devem se refletir nas eleições de outubro próximo.

Bem Paraná – O PSOL nasceu de uma dissidência do PT, em 2004, ainda no início do governo Lula, fazendo uma crítica à esquerda ao governo do PT. O senhor acha que a crise que estamos vivendo mostra que essas críticas tinham razão?
Bernardo Pilotto – Sim, com certeza. Quando a gente vê, por exemplo, a (senadora) Gleisi Hoffmann (PT) votando a favor da lei antiterrorismo, do AI-5 padrão Fifa, da lei antiprotesto na Comissão de Constituição e Justiça no Senado, a gente mostra como é necessário ter uma crítica de esquerda a esse governo. Como é importante ter esse espaço. Acho que essa crítica ainda não é grande, ela é marginal, embora venha crescendo. Em 2004, a gente dizia que o PSOL era uma necessidade. Que era importante se criar um segmento à esquerda do governo, que tivesse influência para que o governo não fosse só polarizado pelas críticas à direita. Acho que essa necessidade se mantém. A gente está mais atual do que nunca com as recentes medidas do governo, em relação à Copa do Mundo, a tudo o que o governo aceitou para fazer a Copa no Brasil. A relação do governo com os sindicatos. Negocia-se se o sindicato é amigo, se o sindicato não é amigo é pau, é pedrada. Não se diferencia dos governos tucanos, nesse sentido. Assim como o Beto Richa disse que é uma ‘grevezinha’ e não negociou com os trabalhadores da saúde, a Gleisi votou pela lei antiprotesto, pela lei que proíbe greve e qualquer tipo de manifestação da população.

BP – Do ponto de vista eleitoral, vocês acham que existe esse espaço para uma crítica à esquerda ao PT, viável, competitiva?
Pilotto – Essa viabilidade, essa competitividade já existe em alguns lugares. O PSOL no Rio de Janeiro, por exemplo, polarizou a eleição (de 2012) com o (atual prefeito) Eduardo Paes (PMDB), o (deputado federal) Marcelo Freixo ficou em segundo lugar. O PSOL ficou em segundo também em Belém (PA). Teve boas votações em Fortaleza. É claro que isso é pouco perto do tamanho do Brasil. Agora a gente entende que essa é a primeira eleição que vai passar por um cenário novo, pós junho de 2013. Se as manifestações de junho vão abrir um espaço maior para a gente ou não ainda é uma incógnita. Se esse espaço maior de crítica vai se configurar em voto ainda é uma incógnita. A gente entende que algumas pautas que antes eram vistas como muito utópicas, quase como uma viagem, por exemplo, tarifa zero, a desmilitarização da polícia, hoje são pautas que estão ganhando peso e ninguém diz que são utópicas. Pode dizer ‘eu não concordo’, mas ninguém vai dizer que é uma maluquice. E o PSOL já vem defendendo essas pautas há algum tempo. Nesse sentido, a gente acha que há mais espaço para as nossas ideias. Se talvez não haja um espaço maior em termos de votos, em termos de ideia certamente há.

Junho de 2013
Esquerda também foi pega de surpresa

Bem Paraná – Quandos as manifestações começaram, não havia partidos, mesmo os de esquerda, nem movimentos sociais organizados, com exceção do Movimento do Passe Livre. A esquerda também foi pega de surpresa?
Pilotto – Sim. Com certeza. Difícil dizer porque. A gente vinha em uma normalidade, estagnação dos movimentos. Uma descendência nos movimentos. Existiam movimentos importantes, isolados. Em 2012 houve uma greve muito importante do serviço público federal, quase todos os servidores parados, mas de certa maneira isolado do restante da sociedade. Você teve greve de professores, muitas greves ao longo dos últimos anos, se não me engano desde 2009. Mas eram greves ainda muito isoladas, cada um no seu canto. Acho que a novidade do ano passado é meio que essas manifestações se unirem em algum momento. Manifestações com muitas pautas.

BP– Na sua opinião, qual foi a faísca de detonou as manifestações de junho de 2013?
Pilotto – Acho que há um conjunto de fatores. Há um esgotamento do modelo econômico e social que é inaugurado com o governo do PT. Que é o que a gente chama de ‘cidadania do mercado’. Ao invés de eu garantir acesso a saúde eu dou um dinheiro para você pagar plano de saúde. Ao invés de eu te garantir educação eu dou um dinheiro para você pagar universidade privada e assim por diante. Só que as pessoas estão se formando nessas universidades privadas e não estão melhorando de emprego. Não estão melhorando de salário. Eles têm plano de saúde mas isso não está garantindo saúde melhor para elas, pelo contrário. Tem plano de saúde que a fila é maior que o SUS. Acho que esgotou-se modelo e fez as pessoas irem para a rua. Dificilmente a gente vai ter tanta gente na rua assim por um motivo, ou por um fato. Acho que é o esgotamento de um período histórico. Porque por muitos anos o PT disse que não poderia fazer mais porque era uma coisa imediata. Por exemplo, ‘vocês vão esperar a gente criar mais vagas nas universidades públicas? O que dá para fazer agora é comprar vagas nas universidades privadas’. É verdade, mas faz dez anos que está comprando vagas nas instituições privadas. Ao longo desse tempo não dava para ter construído universidades públicas? Eu acho que sim. Esse discurso de ‘estamos fazendo o que é possível, se esgotou naquele momento. Aí acho que a repressão policial, a Copa das Confederações, os gastos com a Copa foram vários fatores que ajudaram a levar as pessoas para as ruas. Acho que também tem um fator importante que é as pessoas terem ido para a rua e terem tido uma vitória. A pauta mais importante daquele momento que era a redução das tarifas foi conquistada. Não só no ano passado, esse ano também a prefeitura daqui enrolou enrolou e decidiu não aumentar porque sabe que isso poderia ser o estopim de novas manifestações. Mesmo as manifestações não sendo tão grandes, a relação da população com as manifestações mudou.

BP – As manifestações mostraram inicialmente uma rejeição à política e aos partidos, inclusive os de esquerda. Como superar isso?
Pilotto – Primeiro acho que é normal ter essa rejeição aos partidos, por tudo o que os partidos vêm fazendo, a maioria deles. Quando você tem o (governador de SP Geraldo) Alckmin e o (prefeito de SP, Fernando) Haddad, um do PSDB e um do PT, os dois lá em Paris, falando para a polícia reprimir as passeatas, como vai explicar que são partidos diferentes, que têm posições diferentes? A rejeição aos partidos é fruto do sistema político que a gente tem, dos acordos espúrios, da troca de lado. E acho que isso atinge todos os partidos, também os que questionam isso. As críticas que as pessoas fazem aos partidos nós também fazemos no PSOL. O que eu acho que nós também fomos, de certa maneira, rechaçados nas passeatas porque a população desconhece essa crítica. Quantos sabem, por exemplo, que o PSOL não tem nenhum vereador na Câmara Municipal de Curitiba? Que ele não tem nenhum deputado estadual? Certamente se a gente tivesse um vereador em Curitiba, ele seria o único a defender as passeatas e as passeatas nos teriam visto com bons olhos, como nos viram em São Paulo, no Rio de Janeiro, Fortaleza, Salvador. Os parlamentares do PSOL não foram rechaçados nas passeatas, pelo contrário. Acho que aqui em Curitiba acontece que ainda somos muito pequenos, e o pessoal desconhece que a gente está fora desse jogo político tradicional, e que nós rejeitamos também. A gente entende que com o tempo as pessoas vão saber separar. Os partidos que de fato ajudaram a construir o movimento, que estão juntos. Que possam ter uma relação democrática com o movimento, porque também não adianta a gente ir lá só para aparecer, para dizer que a gente é o comandante do movimento, e não é verdade. Ninguém comanda aquele movimento.

 

“Vem pra rua” 

Nova geração tem outra relação com a política

Bem Paraná – Muitos acusam a esquerda de pegar carona em um movimento espontâneo após o início das manifestações.
Pilotto – Quem tentou pegar carona e se deu mal foram os sindicatos tradicionais. Aquele evento do 11 de julho das centrais sindicais foi um completo fiasco. Tinha mais funcionário de sindicato na rua do que trabalhador. Acho que não é exatamente pegar carona. É preciso reconhecer que todas as pautas levadas de maneira espontânea para as ruas, tarifa zero, saúde padrão Fifa, educação de qualidade, enfim, isso são pautas da esquerda. Pautas que a esquerda levantou durante anos, mesmo que de maneira reduzida. O PSOL defendeu em 2008, na eleição municipal, tarifa zero, inclusive fomos ridicularizados por causa disso. Então é preciso que se reconheça não é exatamente um pegar carona. Nós já estávamos nas ruas a bastante tempo por essas pautas. Isso não quer dizer que nós tenhamos que ter uma relação autoritária com as pessoas. Muito pelo contrário. A gente entende que é uma nova geração que está chegando e que a gente tem que se esforçar e muito para dialogar com ela, para renovar os nossos métodos, acompanhar esse movimento, que é o que vem oxigenando a sociedade brasileira que estava em uma mesmice, uma paralisia.

BP – Como vocês vêem o papel das redes sociais da internet nesse processo?
Pilotto – Eu discordo um pouco de quem diz que ela faz o movimento. Eu acho que ela potencializa o movimento. O movimento existe, a rede social potencializa a possibilidade de divulgação, de articulação. Mas ela não faz o movimento por si mesmo. Não é tão espontâneo assim, embora claro, a participação de 20 mil, 30 mil pessoas foi espontânea. Esse volume de pessoas.

BP – Acha que tudo o que aconteceu colocou por terra a tese de que o jovem brasileiro não se interessa por política?
Pilotto – Com certeza. A gente via nas passeatas a maioria pessoas de 16, 17, 18, 22 anos, nessa faixa. E acho que essa é uma geração que não viu o Lula radical, não viu o Muro de Berlim cair. Então ela tem outra relação com que é o PT, diferente da minha geração que foi para as ruas comemorar a vitória do Lula em 2002. Essa geração nem votava em 2002. Quem tem 18 anos agora em 2002 tinha seis anos. Tem outro tipo de relação com a história política brasileira mais recente. A gente acha que esses jovens são uma nova geração de lutas, assim como o final da ditadura militar trouxe toda uma geração de ativistas, políticos, a gente está começando esse processo novamente. Aonde isso vai dar não é possível saber. Nosso papel do PSOL, enquanto partido de esquerda que não quer uma relação autoritária, a gente deve acompanhar e ajudar esse movimento naquilo que a gente puder. Sem achar que a gente sabe tudo. Sem paternalismo. 

BP – O PT também nasceu com uma proposta mais radical, e acabou se rendendo ao pragmatismo eleitoral. Como evitar que o PSOL faça o mesmo e seja usado por políticos como ‘barriga de aluguel’ para aproveitar essa onda de descontentamento da população?
Pilotto – O risco de uma burocratização, cooptação pelo sistema é um risco que o PSOL e ninguém está imune. Acho que o primeiro fato positivo para a gente, que no momento em que a gente poderia ser cooptado pelo sistema, a gente saiu do PT. Exatamente no começo do governo Lula quando todo mundo tem chance de pegar uma boquinha, a gente opta por não pegar a boquinha, e seguir carregando nossa bandeira e ter uma sede dessas aqui que a gente mal consegue pagar, acho que é um ponto positivo para a gente. A gente acredita em um partido de militantes, em que a base possa ter controle sobre as suas figuras públicas, seus parlamentares. Isso não é exatamente simples de fazer, mas a gente acha que é possível e é um desafio.

Eleições 2014
Queremos mostrar que Gleisi não é oposição

Bem Paraná – Em relação às eleições para o governo do Paraná, quais as principais propostas do PSOL?
Pilotto – A gente vai falar bastante do que chamamos de mitos do Paraná. O Paraná branco, europeu, sem desigualdade e sem oligarquias. Estamos construindo ainda o programa que apresente propostas concretas para desfazer esses mitos. Propostas que caminhem na socialização da riqueza no âmbito estadual. A defesa da educação e da saúde pública, sem as terceirizações e privatizações. A garantia de financiamento das universidades estaduais que não dependam da benesse do governador como a gente tem hoje. Passa ano e sai ano o Beto Richa vem e corta o orçamento. Nós queremos propor um modelo que não dependa do governador. Em São Paulo é assim, uma porcentagem dos impostos vai para a USP, Unicamp e Unesp. Tanto é que você tem vinte e tantos anos de dinastia tucana e a USP, Unesp, Unicamp sobrevivem, porque elas não dependem do governador para serem financiadas. A gente quer trazer o debate da desmilitarização, embora o Estado não possa desmilitarizar a polícia porque é uma questão nacional. A gente entende que o governo do Estado poderia ter medidas desmilitarizantes. A regulamentação da jornada de trabalho, carreira única, separação da polícia do bombeiro, e especialmente a revisão do Regime Disciplinar do Exército (RDE) que rege a conduta dos policiais militares do Paraná. Que é um código que enxerga a população como inimigo interno. O governo do Estado tem autonomia para rever esse código. Especialmente a gente quer mostrar para as pessoas que a Gleisi não é oposição. Que quem quer votar em oposição ao Beto Richa, a gente acha que é muita gente, não deve votar na Gleisi, deve votar no PSOL.

BP – Não teme o risco de um retrocesso à direita no Brasil com esses movimentos pró retorno dos militares, justiçamentos, e essa onda neoconservadora?
Pilotto – Não porque a direita já está no governo. Certamente há uma onda conservadora na sociedade brasileira. Agora a gente avalia que essa onda é incentivada pelo PT. Quando a Gleisi Hoffmann, senadora pelo PT, defende lei antiprotesto, o que o pastor Everaldo (pré-candidato do PSC à presidência) pensa? ‘Estamos liberados para barbarizar’. Quando a Gleisi vai lá e fala que não tem indígenas no Paraná, o que os ruralistas pensam? ‘Estamos liberados para matar todo mundo’. Há uma onda conservadora, e ela também é fruto do governo do PT, que despolitizou a sociedade brasileira, permitindo que isso gerasse até uma politização à direita. A gente acha que qualquer movimento de ascensão de demandas populares, trabalhistas, vai gerar uma reação à direita. É inevitável. Seria um movimento de polarização da sociedade. A gente não tem que ter medo disso. Ou a sociedade se polariza ou fica na mesmice que é o momento anterior. É muito significativa a propaganda do PT que está passando na TV. Porque o PT historicamente diz assim: ‘estamos fazendo alguma coisa, mas vamos avançar mais’. As propagandas do PcdoB dizem ‘por mais avanços’, embora genericamente sem definir o que. Mas a propaganda do PT que foi ao ar essa semana não está dizendo para ter avanços, está dizendo para manter o que temos. Quase aparece a Regina Duarte, porque é o medo. É o mesmo discurso do FHC. É como se o PT estivesse dizendo que a história acabou, que o máximo que podemos conseguir é o que temos hoje. E nós do PSOL achamos que a história não acabou, continua. Não é possível que o máximo que a gente tenha seja um governo aliado do Sarney, do Renan Calheiros. Subserviente à Fifa, que põe tropas no Haiti. Que tem casos de corrupção. A gente acha que é muita resignação.