A extrema polarização tem cada vez mais caracterizado as eleições brasileiras. Se, por um lado, ela indica maior envolvimento de parte do eleitorado com a política, por outro traz como consequências negativas a redução do espaço de diálogo e uma escalada da comunicação de guerrilha, alimentada por notícias falsas. Felizmente, as assessorias jurídicas das campanhas não seguem a tendência da polarização que costuma marcar as interações entre candidatos, partidos e militantes de diferentes correntes políticas. “Muito pelo contrário, entre os eleitoralistas a regra é acumular experiências, trabalhando para partidos e candidatos de variados matizes ideológicos”, ressalta Paulo Golambiuk, presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral.

Golambiuk cita o caso da advogada Maria Claudia Bucchianeri, que, depois de advogar para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito pelo PT, e para o presidente da Câmara, Arthur Lira, eleito pelo Progressistas, foi indicada, em 2021, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para ser ministra do Tribunal Superior Eleitoral.


A advogada Marilda Silveira se aproximou do atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva no início do ano passado, como conselheira do ex-ministro da Justiça Flávio Dino, agora no STF. Marilda já advogou para o Partido Novo, que no panorama político não poderia estar mais distante do PT de Lula. O fato, claro, não passou ao largo dos petistas que, alheios à diferença entre a preferência pessoal e a atuação profissional, se manifestaram e exigiram uma reação mais efetiva de Dino.


Há exemplos também no Paraná. Em sua atuação no campo eleitoral, o advogado paranaense Luiz Fernando Casagrande Pereira já foi de um extremo ao outro do espectro político, defendendo tanto Lula, historicamente vinculado à esquerda, quanto Michel Temer, um nome da direita. Em 2018, Pereira defendeu no Tribunal Superior Eleitoral o direito de Lula participar da eleição presidencial daquele ano. Um ano antes, havia sido contratado por Michel Temer para a elaboração de pareceres contra a cassação de seu mandato. O escritório de Pereira também atende o Partido Liberal, ao qual atualmente o ex-presidente Jair Bolsonaro é filiado.


Europa
Também na Europa há experiências pautadas pela jurisprudência e pela doutrina, deixando o posicionamento ideológico à margem. No Reino Unido, durante o referendo do Brexit, em 2016, advogados britânicos de diferentes campos políticos trabalharam tanto para o lado do “Leave” (saída da União Europeia) quanto para o “Remain” (pró-permanência). David Pannick, inclusive, defendeu a ativista Gina Miller sem levar em conta diretamente seu posicionamento contra o Brexit. O advogado se concentrou numa defesa técnica, argumentando que o Parlamento deveria ter uma palavra sobre a ativação do Artigo 50 do Tratado de Lisboa, que prevê a saída de um Estado-membro do bloco.


Na eleição presidencial francesa de 2017, na qual Emmanuel Macron e Marine Le Pen disputaram o segundo turno, advogados e consultores jurídicos trabalharam em ambos os lados com base em princípios técnicos para um mesmo objetivo: assegurar, em meio a um ambiente conflagrado, que o processo fosse justo e que as regras eleitorais fossem cumpridas à risca. Esse esforço suprapartidário foi essencial para manter a integridade do processo na eleição vista como uma batalha entre globalismo e nacionalismo.


Independência
A atuação marcada por independência, lealdade e boa-fé é, inclusive, um dos princípios que fundamenta a profissão. No Brasil, tais princípios estão consagrados no Código de Ética e Disciplina da OAB. O presidente do Iprade ressalta que, observados os limites éticos, o livre exercício da profissão é uma das prerrogativas da advocacia. Além disso, como o universo político é o terreno de atuação do advogado eleitoralista, restringi-lo não faria sentido. “É muito positivo que, em sua atuação profissional, os advogados estejam fora das guerras ideológicas e se mantenham no campo da segurança jurídica e da aposta no diálogo”, frisa, lembrando que é nesses termos que se dá a proteção dos direitos democráticos, mesmo em momentos de intensa polarização política.