De acordo com os boletins estatísticos mais recentes do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), a aposentadoria especial foi concedida pelo órgão por meio de ações na Justiça em nada menos que 94,1% dos casos de janeiro e fevereiro de 2024. Apenas 118 dos 2.008 desses pedidos no primeiro bimestre foram concedidos sem que os segurados tivessem de pedir o auxílio da Justiça.

De acordo com especialistas, os dados mais recentes estão em sintonia com o que tem sido observado nos últimos anos. Contudo, o fenômeno que tem ocorrido não deveria ser tratado como algo normal dada a dificuldade dos segurados do INSS em conseguirem o que lhes é direito por lei.

O chamado PPP (Perfil Profissiográfico Profissional) é o documento utilizado pelos segurados para comprovar o direito à aposentadoria especial. Ele é fornecido pelas empresas e apresenta todos os registros relacionados ao histórico de trabalho. “O principal problema quando falamos de aposentadoria especial é que acaba ocorrendo uma interpretação diferente entre o INSS e a Justiça sobre o PPP para comprovar o período especial”, avalia Thiago de Pauli Pacheco, advogado previdenciário do escritório De Pauli Pacheco Advocacia Previdenciária.

Contudo, há casos em que as empresas deixaram de existir no momento em que os segurados decidem pedir a aposentadoria ou até em que os antigos empregadores se recusam a fornecer o PPP. Enquanto a autarquia federal nega o pedido de aposentadoria por conta da falta do documento, a Justiça segue em outra direção. “Infelizmente, para o INSS, quando o segurado não tem os formulários exigidos, não há outros meios para se comprovar a atividade especial. Todavia, na Justiça, o entendimento é bem diferente e mais abrangente do que o do INSS. Em síntese, se esse tempo não foi reconhecido pelo INSS, você pode entrar com seu pedido na Justiça mesmo sem os documentos que o INSS exige”, orienta Pacheco.

Aposentadorias de um modo geral

Os boletins do INSS ainda apontam que, no universo de todos os pedidos de aposentadoria nesse período, um percentual de 25,6% dependeu da via judicial. Trata-se de uma parcela de 53.224 das 207.506 solicitações aceitas pelo INSS em janeiro e fevereiro.

“De um modo geral, aposentadorias necessitam de uma análise cautelosa do histórico de trabalho do segurado. E é aí que chegamos à principal justificativa para o fenômeno que transparece nos números: o INSS e as falhas em atestar se os segurados têm direito ou não aos benefícios que pleiteiam”, avalia Thiago de Pauli.

O especialista cita como exemplo trabalhadores que buscam a aposentadoria por incapacidade permanente e que devem comprovar que uma doença retirou de forma definitiva a sua capacidade para trabalhar. O direito também depende de não haver a possibilidade de que ele passe a exercer um trabalho alternativo que não seja afetado pela sua condição de saúde.

Já outro caso comum consiste em segurados que sejam portador de uma doença em estágio avançado que afeta os seus ossos. A dor crônica impede que ele realize atividades braçais como fez ao longo da vida inteira. A gravidade da doença chegou ao ponto que afeta a capacidade para trabalhar mesmo em atividades que exijam um menor esforço braçal. Portanto, há o direito à aposentadoria por incapacidade permanente.

Desse modo, o que transparece nos números calculados a partir das estatísticas da Previdência Social poderia ser percebido na realidade. Os advogados defendem que o dia a dia das negativas do INSS chega a registrar casos absurdos como a recusa de benefícios para segurados que são portadores de doenças sem possibilidade de cura e que não contam com a possibilidade de retomarem a capacidade de trabalho algum dia.

“O grande ponto é que na maior parte dos casos um segurado deverá passar pelo exame de um médico clínico geral, nas perícias promovidas pelo INSS para atestar se há o direito ou não ao benefício. E um caso relacionado à Doença de Paget, que afeta os ossos, é de competência de um médico reumatologista, ortopedista ou outro especializado em doenças ósseas. Como é possível que não ocorram erros nos exames?”, questiona Pacheco.

Para o advogado previdenciário Erick Magalhães, do escritório Magalhães & Moreno Advogados, a Justiça cumpre o seu papel ao convocar como peritos judiciais médicos especializados nos casos clínicos que são alvo de injustiça nas perícias do órgão federal. E o resultado consiste em entendimentos discordantes entre o perito judicial e o servidor do INSS.

Outro problema seria que o órgão federal costuma se prender à documentação médica apresentada sem se aprofundar na história do segurado ou pedir exames complementares. O recomendável é buscar reduzir ao máximo a chance de receber uma negativa. “É importante reunir todos os documentos necessários para enviar no aplicativo ou portal Meu INSS, como os relatórios médicos que demonstram a sua situação”, orienta o especialista.

Na opinião da advogada previdenciária Andrea Cruz, do escritório Andrea Cruz Advogados Associados, a escassez de funcionários hoje no INSS também acaba por intervir no resultado favorável da análise. “A solução para mudar esse cenário atual seria reforçar o quadro de recursos humanos da autarquia com mais servidores e com foco na especialização por áreas médicas. Afinal, o que está em jogo é o descanso de milhares de brasileiros que trabalharam a vida inteira e aguardam pelo seu sonho da aposentadoria”, finaliza.