volta as aulas

Muitas pessoas me perguntam como é a rotina numa escola Waldorf, como os alunos são tratados, como os professores se portam diante dos conflitos, como os problemas são solucionados, como é a metodologia… As dúvidas são muitas! E eu também as tenho. Mas, vou falar um pouco do que nós vivenciamos até agora e de como eu estou me sentindo como uma mãe Waldorf do ensino fundamental.

Primeiro, tenho que esclarecer que estamos numa escola associativa, ou seja, uma escola que é administrada pelos pais. Tudo trabalho voluntário. Tudo decidido em assembleia. Tudo votado e debatido. Nem todos participam de tudo, é claro. Mas muitos participam ativamente, é muita doação. Para entrar você tem que ter o desejo de se doar um pouco para a escola.

Não temos um dono, ou diretor, para reclamar. Nós somos os diretores. Não podemos exigir melhorias estruturais que o caixa não comporte, nós cuidamos do dinheiro.  Não podemos apontar um problema sem pensar na solução.

Isso já é um bom impulso para sair da zona de conforto de expectador e passar a ser parte da escola. Mas, deixa eu falar como é o dia a dia na prática!

O primeiro ano

Pra começo de conversa as mães (ou quem tiver habilidade para tal) encapam todos os 10 cadernos que as crianças vão utilizar com tecido. As amigas dizem, “você é talentosa, eu não faria isso”. Gente, deixa eu esclarecer uma coisa, eu não sei escrever com letra cursiva. Ponto. Eu não sou talentosa. Sou esforçada, dedicada, comprometida, mas não sou talentosa. Desde que tenho memória, minha mãe sempre teve que me ajudar com as manualidades em geral. Não por desejo dela, mas pelo escândalo que eu fazia quando pequena para não precisar entregar na escola as coisas que minhas mãozinhas inaptas produziam. Sendo assim cresci achando que não tenho o dom dos trabalhos manuais. Mesmo assim, tive vontade de aprender a tricotar aos 9 anos e aprendi. Sei o que fazer com uma linha e uma agulha. Não fica um trabalho que me deixe orgulhosa. Mas tudo bem, sou capaz de viver com isso.

Os pais (aqui já entrou na jogada um cara talentoso, o pai) fazem a mochila que o aluno vai utilizar pelos anos do ensino fundamental e a entregam de presente para seus filhos antes do início das aulas. Isso acontece num intenso dia de trabalho na escola. É um momento riquíssimo de convivência das famílias que caminharão juntas nesta jornada que estes pequenos indivíduos irão percorrer. Ali pudemos ver como funcionamos como grupo. Foi bem cansativo fisicamente (algumas mães, eu inclusive, participaram com os pais). Mas, entregar esta mochila pronta para o Artur foi como forrar com algodão o caminho de casa até a escola.

Cada etapa cumprida, a escolha dos tecidos para o caderno, a escolha dos tecidos para a toalhinha de mesa, o estojo feito em couro, o contato prévio com a professora da turma (ela passou uma tarde com o Artur antes do primeiro dia de aula), a reunião na escola com a presença das crianças antes do início das aulas, a confecção da mochila, tudo foi enchendo o coração do Artur de afeto pela nova escola. No primeiro dia de aula ele estava tão envolvido no processo e se sentindo tão esperado por aquela escola que não via a hora que os pais e o irmão (sim, fomos todos entrega-lo para a professora) fossem embora. E fomos com o peito leve e uma gostosa sensação de que tudo estava onde tinha que estar.

A professora ou professor-regente acompanha a turma por oito anos. Isso mesmo, esta pedagogia se importa com o vínculo emocional com o mestre, e o mantém durante anos. Por isso mesmo, o primeiro dia de aula no primeiro ano tem uma cerimônia especial. A orquestra da escola toca para receber com festa os novos membros, os alunos mais velhos cantam para os que estão chegando e a professora prepara um bonito portal na porta da sala de aula. Cada família, conforme é chamada, vai até a professora e entrega seu filho, como uma metáfora do que está por vir. Como se disséssemos “eu te entrego o meu tesouro, faz o teu melhor”.  E todos estes rituais vão colocando as coisas em seus lugares, como se fossem poderosos ansiolíticos para o tempo em que vivemos.

Ela não será a única professora durante esta jornada. Virão os professores de matérias especiais, e serão muitos, mas estas pessoinhas saberão onde está o timão deste navio nos próximos oito anos!

A lição de casa inclui lavar a louça do almoço, organizar gavetas e lavar meias. Sempre permeados por desenhos e letras, já que estamos na época das letras! (Em outro post me aprofundo nas épocas.) Os meninos e meninas tricotam, para desenvolver coordenação motora fina. Mas também sobem em árvore, correm, pulam e brincam. Além disso, o ritmo diário inclui rodas rítmicas, onde conteúdos teóricos são acompanhados de movimentos físicos – o que para crianças no auge do vigor físico é um remédio! Aulas de alemão, inglês e música também fazem parte do currículo do 1º ano. E não, nesta escola não tem “dia do brinquedo” e a maioria das crianças nem conhece os últimos lançamentos!

Antes de entrar na escola eu achava que aquele espaço era habitado por uma comunidade alternativa, desconectada da realidade. Não sou de riscar da minha lista algo antes de conhecer, mas olhando de fora, eu não tinha vontade de conhecer. Fui convidada por algumas pessoas que admiro e confio a avaliar a proposta da escola, não levei o convite em consideração de início. Porém, o convite apareceu repetidas vezes, até que um dia eu me abri para ele e fui fazer um curso na escola Turmalina  cujo tema era “A criança de 0 a 7 anos – a compreensão da imitação, fantasia e imaginação no desenvolvimento da criança”. Logo de cara fui fisgada pela professora, parecia que ela lia meus pensamentos. Era um respeito e uma consideração tão grande pelos pequenos que fui às lágrimas, muitas vezes. Nos primeiros meses comprei uma pilha de livros e comecei a estudar antroposofia e pedagogia Waldorf. Quanto mais eu lia, mais eu queria esta lá! Daí até colocar o Artur no Jardim de Infância Waldorf foram poucos meses.

E nem tudo foram flores, uma escola é feita por pessoas e pessoas são imperfeitas. O mestre descrito na literatura Waldorf é uma pessoa impossível, quase uma divindade. Mas com diálogo e transparência, por enquanto, tudo está caminhando muito bem.

E estou extremamente feliz por ter me permitido experimentar! Por conviver com tanta gente que se importa até as vísceras com o legado que deixará aos filhos, por não ficar satisfeita com o razoável, por não ter certeza, mas deixar o coração me guiar e ir…

O Artur está conseguindo explorar todo seu potencial. Está desenvolvendo capacidades adormecidas, e está feliz, muito feliz! O sorriso no seu rosto e seus relatos da escola são a melhor medida de que estamos conseguindo andar para frente nesta estrada. Não acho que este seja “o caminho”, não sei quão longa será nosso percurso por estas trilhas, nem o que vamos encontrar, mas estamos ávidos por seguir caminhando!

Paula Bertoli / www.caldeiraodemae.com.br