De repente, a África

Livro traz o registro de um antepassado distante que se torna muito próximo com a leitura

Helena Carnieri
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Reprodução da capa

Ele era agitado, impaciente e entediava-se fácil. Um homem baixo, com uma condição cardíaca herdada.

Essa é uma das camadas do meu tio-bisavô reveladas em “Deep Tracks in Africa – The Life and Work of Titus M. Johnson”, publicado em 1976 pela norte-americana Covenant Press. Encontrado na internet pelo meu tio (não avô), lá vai o livro passando de mão em mão, enquanto a família Persson Skåre redescobre as peripécias de um de seus mais distintos ancestrais. Em suas diversas camadas.

De cara me identifico com a voz do narrador e descubro que Frances J. Mason trabalhava como escritor free-lancer na época. Já com meu tio-bisavô, menos. Que homem agitado. Corajoso. Mas convicto.

Quantos tios-bisavôs uma pessoa tem? Muitos. Somente este entre meus antepassados, até onde eu sei, ganhou um livro. Será que toda vida vale um livro? Para alguns, o termo “missionário na África” merece uma medalha, já para outros, reprimendas. Como as melhores biografias, a obra não maquia defeitos. Nem do protagonista, nem a condescendência dos religiosos com os colonizadores e até o usufruto de privilégios impostos pelos brancos. Os abusos cometidos contra o povo congolês são considerados um genocídio por muitas organizações.

Felizmente, o livro vai muito além da luta de forças, e entra nas contradições próprias dos seres humanos ali retratados, independentemente da cor da pele.

O legado de Titus, nascido Jansson e que adotou o sobrenome Johnson em sua vida nos EUA, envolve o desbravamento de regiões da República Democrática do Congo. Chama a atenção a forma precoce como ele ouviu esse chamado, e o início do livro retrata um pouco do avivamento de início de século na Suécia e EUA. Ali fala da fé rigorosa dos suecos batistas – Karl Jansson, o pai, construiu uma capela para os Free Baptists. O legalismo rígido era amenizado pelo espírito evangelístico daquele povo (nada mudou).

Capítulo após capítulo, a obra lista pessoas que acreditaram nele e como sua vulnerabilidade mais atraía do que repelia. Em carta para a mãe, e pelo jeito eram muitas, ele declarava suas convicções, e seria bom para nós mesmos retornar a elas pelo menos uma vez por dia. “Jesus fez tudo na cruz, não precisamos acrescentar nada.” Você acredita nisso?

Em 1939, já médico, com dinheiro que até ali fizera falta, participou do primeiro voo de Nova York para Estocolmo e reportou o nascer do Sol às 3h30 sobre o Atlântico. Como ele gostava de um nascer do Sol. As primícias da manhã em contemplação do Criador.

Em vida, Titus recebeu as devidas honras, homenagens como nos cultos realizados em várias cidades do Zaire pelos 50 anos de sua missão pioneira. Com direito à entrada ao lado de uma antiga bicicleta, como aquela com que percorreu boa parte do país.

Tantos anos após sua morte, em 1974, foi um presente encontrar meus genes passeando pelo mundo e causando tanto.