É possível ao homem traduzir por meio da linguagem (em palavras) os mistérios do Sagrado? (Imagem: Pixabay) 

Como é natural da existência humana, o pensamento necessita da constituição da linguagem. E assim também ocorre com a fé. E embora permanecendo inadequada para abranger o mistério, a linguagem é sempre necessária para a fé, para completá-la dentro de nós, para exprimi-la e para comunicá-la aos outros. Por essa razão, ao falar de Deus como Mistério inefável, é impossível fazê-lo de modo absolutamente adequado (linguagem unívoca). Mas também nem sempre a fala sobre Deus é totalmente inadequada (linguagem equívoca). Assim sendo, o caminho a tomar para “pensar a Teologia” como linguagem seria a linguagem analógica.

É extremamente importante, a todo teólogo, estar vigilante para não delinear inconscientemente sua linguagem em seu trabalho investigativo do mistério e de observação da fé, acreditando ser sua bagagem pessoal de linguagem a representação “acertada” das realidades divinas. Justamente, porquê a tendência a fetichizar ou objetificar a linguagem na teologia é muito forte, de modo que, para resistir a ela, Clodovis Boff recomenda usar uma boa dose de um sadio agnosticismo.

De acordo com o autor, a analogia teológica não possui só uma função didática, mas também e sobretudo epistemológica: ser caminho de Verdade. A analogia não dá logicamente ao mistério uma clarificação total, mas ajuda nesse caminho. Aliás, no uso da comparação por meio da analogia, a parte de dessemelhança é sempre maior que a de semelhança. E a razão é simples: trata de falar de um “Deus sempre maior”. Para tanto, pode-se usar duas possibilidades de analogia: a conceitual e a metafórica. A primeira é abstrata e a segunda concreta. A conceitual, embora fale de atributos próprios de Deus (predicados de sábio, perfeito, etc.), é também e sempre inadequada em relação ao modo de atribuir a Deus aqueles atributos (predicação). Já as metáforas ou símbolos em teologia são o caminho mais direto e a via privilegiada para evocar os mistérios, fazê-los presentes, embora não tenham valência argumentativa. É a linguagem preferida pela Bíblia e a mais acessível ao povo em geral, por isso também a mais recomendável do ponto de vista da pastoral.

 É preciso articular os dois tipos de linguagem: a conceitual, que tem um particular poder científico (crítico e provante); e a simbólica, que tem de próprio comover o coração, promover a conversão e mover à ação. Para interpretar as metáforas, especialmente as primárias (bíblicas), deve-se levar bem em conta os seguintes elementos: a “ponta” da metáfora; seu subsolo antropológico; seu contexto cultural, especialmente o bíblico. Afinal, existem três vias ou articulações da linguagem analógico-teológica: afirmação; remoção e eminência. De acordo com Clodovis Boff, poderíamos ainda acrescentar uma quarta via, que representa, na teologia, a “via de saída” da linguagem que é o silêncio (teologia apofática), pois por meio dele o teólogo pode-se conduzir à adoração e ao agapé.

Nesse sentido, seria possível ao homem traduzir por meio da linguagem (em palavras) os mistérios do Sagrado? Não seria nossa linguagem demasiadamente limitada para compreender a fé, sob a luz da experiência do encontro com Deus? É possível à natureza humana interrogar a Graça e encontrar palavras “exatas” para traduzir a vontade de Deus? Não teríamos nós, ao nosso modo, feito isso ao longo dos séculos, creditando palavras a Deus, dentro da nossa limitação e, assim, qualificando sua vontade dentro da nossa possibilidade (limitada) de compreensão do mistério, da vida, da fé e do amor fraterno?

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Ana Beatriz Dias Pinto, é comentarista convidada do blog e nos traz reflexões sobre temas atuais e contextualizados sob a ótica do universo religioso, de maneira gratuíta e sem vínculo empregatício, oportunizando seu saber e experiência no tema de Teologia e Sociedade para alargar nossa compreensão do Sagrado e suas interseções.
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2015. p. 297-357.