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Imagem de Joakim Mosebach por Pixabay

A imaginação não gera insanidade, sempre quando ouvimos ou aparece o nome de “Willian Shakespeare” em eventos ou em conversas entre amigos deveríamos cumprimentarmo-nos com reverência (esnobe otimismo de minha parte); o que vem na mente dos ledores são suas peças e filosofias extraordinárias, sobretudo, uma peça que ao longo dos anos foi romantizada e conquistou inúmeros leitores: Romeu e Julieta. Outras peças como a de “Otelo” oriunda de uma personalidade singular e retórica. Shakespeare é um gênio, capaz de desviar e criar paradoxos; não por escrever peças (apesar que qualquer um não o faça), mas pela sua habilidade de ser um le moraliste – moralista (pessoa que conhece a natureza humana).

A peça começa – irei descrever rapidamente – com a morte do rei da Dinamarca (chamado Hamlet, pai do príncipe), assim, o príncipe Hamlet deixa seus estudos na Universidade de Wittenberg e volta para Elsenor, onde a Corte residia. O príncipe fica entristecido por vários fatores: primeiro pela morte do pai; segundo pela pressa de sua mãe casar-se com seu tio Cláudio e terceiro, por ele não confiar em ninguém, exceto em seu único amigo na peça, Horácio.

As atitudes Hamlet são demonstrações de enlouquecimento e fúria que levam muitos a pensarem que sua insanidade veio pela rejeição do amor de Ofélia, filha de Polônio, que ele ama (ou entende-se que há um romance). A dor que o príncipe sofre tornar-se uma gradual loucura em Hamlet, proveniente de uma complexidade e carregada de ironias e paradoxos – conformidade e desconformidade com o reinado.

Durante a peça, ocorrem seis mortes: o próprio Hamlet, Polônio (o camareiro-mor), Ofélia (filha de Polônio e amada de Hamlet), Laertes (filho de Polônio), Cláudio (o novo Rei, tio de Hamlet), Gertrudes (a Rainha, sua mãe). Todos os personagens principais da peça morrem, exceto Horácio. Em consequência disso, podemos fazer uma reflexão no que toca o problema ou paradoxo da dor de Hamlet.

Logo no Ato I, cena II, o Rei faz um discurso entre o sorriso e as lágrimas da rainha; entre o evento imperial e fúnebre; entre felicidade de um casamento às pressas e um luto pela morte do marido; um momento que se encontra em meio a balança, prazer e dor no mesmo nível, porém, sem um hipotético presente egocentrismo do atual rei. Quando a rainha e o rei se dirigem para Hamlet, este tem posições rude para dizer que tudo são “aparências” de ações que podem ser representadas pelo homem, entretanto, afirma Hamlet: “o que está dentro de mim, supera todas as exterioridades que nada mais são do que os atavios e as galas de dor”[1]. De um lado, temos um rei moralista que pede para seu sobrinho/filho jogar fora a “dor inútil” e do outro, um “ódio” de Hamlet pelo seu tio e um grave constrangimento pela mãe receber o nome de “fragilidade, teu nome é mulher”[2].

O príncipe Hamlet é um homem que manteve uma aparência serena e sombria; sabia que a dor que manifestava não era a única coisa que o incomodava, mais tudo o que há de “podre no reino da Dinamarca”[3]. Podemos atinar que são várias as dores, mas provavelmente a maior dor do príncipe foi o estado de solidão e solitude; não ser mais capaz de acreditar em ninguém na corte, já que todos eram suspeitos pela morte de seu pai. No ato II, cena II, existe um diálogo entre Polônio e Hamlet. Aqui se observa que Hamlet vem atingindo um grau de sabedoria que será mais tarde confundido com “loucura”. Polônio tem um estilo na peça em que hoje conhecemos por aquelas pessoas que gostam de sair bem na vida mediante a elogios, não para si, mas querer elogiar sempre alguém superior para ganhar algo.

Hamlet já o conhece e, por isso, chama-o de peixeiro; Polônio se incomoda com essa fala do príncipe, visto que Hamlet detesta pessoas com esta índole e, quando Polônio tenta interagir com o príncipe, perguntando o que o milorde ler, ele diz: “Palavras, palavras, palavras…[4]” Essa é uma das dores que levam o príncipe a pensar que a Dinamarca é uma prisão, tal dor, que esta afirmação se estenderá aos dois “amigos espiões”: Guildenstern e Rosencrantz.  A presença dos “amigos” no ato III, cena I, Hamlet tinha plena consciência que ambos estavam a incumbência do rei. Os dois confessam perante o rei que a “astúcia loucura” e o “sentimento de perturbação”, ele se esquivava sempre das perguntas, mas o que Hamlet percebeu foi a “falta de verdade”.

As dores do príncipe são gradativas; dores estas, dadas sobre o nome de “perturbado” e “louco”. O principal paradoxo da dor perdura e se perdurará por séculos, Hamlet deixa qualquer homem da era moderna (ou pós-moderno) em crise ao dizer a si: “ser ou não ser eis a questão”[5]. A preocupação do príncipe estar na atitude de “ser”, todavia, a dor que ele sente estar justamente no fato de que no reinado de seu tio Claudio, todos, não são verdadeiros e, por diversos motivos, são o “não ser”.

O príncipe poderia perguntar não a si, nem mesmo à prisão da Dinamarca e sua podridão, mas ao homem desta era: quando as pessoas irão admitir o “não ser” e aceitarão “ser”, sem fingir e sem se esconder no nevoeiro? Abrupta pergunta para se responder, pois o procedimento de tudo isto se encaminha para um colapso, para uma “demência coletiva” e uma suposta “sabedoria”, ou desatino intelectual hic et ubique – aqui e em todo lugar. Apenas Hamlet foi capaz de apreender a verdadeira sabedoria que levou à morte e, no final, apenas o silêncio foi capaz de exaurir sua liberdade, porque o “resto é silêncio”[6].

* Phaulo Rycardo Souza Guilhon, SAC.  Bacharel em Filosofia pela Faculdade São Basílio Magno (2022) e discente em Teologia pelo Centro Universitário Claretiano – Studium Teologicum.




REFERÊNCIAS

[1] Shakespeare, William. Hamlet. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 21.

[2] Shakespeare, William. Hamlet. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 22.

[3] Shakespeare, William. Hamlet. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 31.

[4] Shakespeare, William. Hamlet. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 44.

[5] Shakespeare, William. Hamlet. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 56.

[6] Shakespeare, William. Hamlet. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 114.