Se um dia eu voltar bicho, quero ser uma traça. Não entendo muito de inseto não e já já dou um Google pra saber se presta. Mas é que traça é danada, né, surpreendente. Vê, aqui em casa, tem sempre uma tracinha na quina do meu quarto. E pode ser até que eu esteja agorinha confessando uma coisa meio vergonhosa publicamente. Vai que quer dizer que não estou faxinando com o esmero que deveria. Qualquer coisa, desculpa aí, galera, mas é que não dou conta da vida inteira não. Tem dia que eu não leio o que precisava, tem dia que eu falto a academia, tem dia que o almoço das meninas é ruim demais da conta, tem dia que eu esqueço as vitaminas, tem dia que eu atraso sessão e tem dia que eu faço uma faxina meio mais ou menos. Tem dia, inclusive, que isso é o mesmo dia.

Antigamente eu matava. Matava mesmo. Mas, sei lá matar, né? Agora eu pego com um papelzinho e deixo na beirada da varanda. Aí fica a critério da traça. Quer se arrastar pra outro andar? Tem problema nenhum. Quer se jogar? Não aconselho, mas também sei lá. Quer voltar pro apartamento 81? Faz de conta que tu tá em casa. Mas lembrando, faz uns 6 meses só que eu não mato mais. Voltar quando se está viva, dá até pra entender, minha casa é uma delicinha mesmo. Agora, voltar viva depois de morta, é um negócio meio intrigante, não é não?

Eu matava a traça, jogava fora. E um dia, acordava, meio lenta, deitada na cama ainda, olhava pra mesma quininha, na mesma altura, que eu já calculei qual é, na exata altura do quadro do J. Borges (Duas sereias, o nome do quadro), a danada tava lá de novo. Só não me dava tchau porque os bracinhos são bem pequenininhos. Oito bracinhos, 4 de cada lado, isso se a gente não tomar nenhum deles por perninhas. Enfim, não dava tchau, mas eu sentia um pouco como se olhasse pra mim e dissesse, ó, voltei. Só que eu não via voltar. Ela é pequenininha, leva um tempo da varanda pro quarto, do chão do quarto pra parede na altura exatinha do quadro do J. Borges.

A traça faz o que ela quer. Independente do que eu quero. Faz como quer, ninguém nem vê ela fazendo. Sou eu que vivo na minha casa como se a casa fosse minha. O Google tá aqui dizendo que elas se alimentam de restos de pele e pêlos do corpo. A bicha tá me comendo. Fora isso, se interessam por tecidos e papeis. Tá comendo meus lençois, minhas roupas e meus livros. Disse que algumas espécies podem viver até 8 anos. Eu moro nesse apartamento há 4, então pode ser que a intrusa seja eu. E que ela já tenham tentado me jogar pela varanda. Ainda bem que tem tela. Um negocinho daquele tamanho, rapaz. Tu entende? Enfim, se um dia eu voltar bicho, quero ser uma traça. Boa semana, queridos.

@robertadalbuquerque