Sigo com torcicolo, minha gente. Só pra vocês saberem. Mas nem era isso que eu ia dizer. É que ontem eu vi uma cena que ainda tá passeando até agora na minha cabeça. Conto. O shopping aqui perto de casa permite a entrada de cachorros. É assim aí? Vê, não tenho problema nenhum com cachorros, embora nutra alguma antipatia pelo termo doguinho. Parece que agora rasga um pouco o ouvido do povo quando a gente fala cachorro. Não pode, certo? Pet até entra meio torto, mas o certo mesmo é doguinho. No shopping aqui perto de casa quase todos os doguinhos andam em carrinhos de doguinhos que custam mais do que o dobro de um carrinho de bebê, mas não um carrinho de bebê normal, desses que se compra quando à espera de um bebê, um carrinho de bebê dos que circulam no shopping aqui perto de casa. Enfim, carissíssimos os carrinhos de doguinhos. Os que não estão sobre quatro rodas, são os de grande porte que, por vezes, produzem poças de xixi também de grande porte, onde senhoras de pequeníssimo porte escorregam e quebram ossos grandes e pequenos como fêmures, calcâneos e cuboides. Todos de dourado, senhoras, doguinhos e poças.

O doguinho da cena que vi não andava nem de carrinho de doguinho nem com as próprias patas. Parecia um poodle bebê, mas não confie em alguém que só conhece de cabeça poodle, pastor alemão, fila brasileiro e pequinês. Era branco, fofinho, peludo e não andava. A dona, ou melhor, a tutora, fez o que pode. Abaixou pra falar olhando no olho de Filomena, chamava-se Filomena. “O que foi, Filomena? Você tá bem, meu amor? Quer colinho? Tá doendo alguma coisa? Fome? Sede?”. Filomena com todos os dentes à mostra negava diálogo. “Tá cansadinha?”. Dentes, muitos dentes. “Que é isso, Filomena?”. Dentes, muitos dentes.

“Ela não costuma ser assim”, a moça dizia pra ninguém. “Para com isso, filha”, suplicava. Fez que fez e nada. Até que ela desistiu da criação com apego canina e arrastou Filomena pelos corredores de granito. Se  tivesse um grama de poeira no chão, Filomena faria às vezes de um bom espanador. Não tinha. Em defesa da mãe de pet, certeza que nenhum doguinho foi machucado na construção desse texto. Filomena ia com a coleira de peitoral e a mulher ia a 1km por hora, parando pra conversar, pedindo um milhão de por favores. Fiquei pensando nesse outubro meio fim de ano, nesse torcicolo que não passa, num cansacinho insistente, na segunda-feira e cheguei à conclusão de que Filomena sou eu. Daqui pras férias de janeiro, minha gente, só arrastada. Bem, era isso. Boa semana, queridos e mostrem os dentes se for preciso.

@robertadalbuquerque