Lucia Biscaia – Olívio Jekupe acredita que a literatura indígena é uma defesa dos povos nativos.

A oralidade fortalece a cultura, mas é preciso escrever e publicar

 

A literatura tem sido um favorável instrumento para a manifestação de costumes, lendas e ideias dos povos nativos. Nas últimas duas décadas foi possível perceber o crescimento no número de autores indígenas que despontaram no cenário literário. Um deles é Olívio Jekupe.

Indígena da nação guarani, Jekupe nasceu em Novo Itacolomi (PR) em 1965. Veio para Curitiba para estudar Filosofia, mas as dificuldades financeiras o fizeram interromper o curso. Foi professor do ensino fundamental na capital paranaense e, mais tarde, mudou-se para São Paulo onde retomou o estudo da Filosofia, dessa vez na USP. Novamente os obstáculos financeiros o fizeram parar.

Mas Jekupe tem muito a dizer. Usando a oralidade, que segundo ele fortalece a cultura dos povos nativos, ou a escrita, que é uma espécie de documento em defesa dessas nações, ele manifesta seus pensamentos. Suas reflexões estão em contos, poesias, romances, nos textos em defesa das causas indígenas, ou ainda nas palestras que realiza pelo Brasil ou exterior.

Atualmente Jekupe mora na aldeia Kakané Porã, em Campo de Santana, Curitiba. A aldeia reúne cerca de 40 famílias de etnias kaingang, guarani e xetá, e foi lá que essa entrevista foi realizada.

Com 22 livros já publicados, grande parte deles para o público infantojuvenil, Olívio Jekupe acredita que é imprescindível que se leve a literatura infantil e juvenil indígena às escolas. “É por meio de nossas histórias que as crianças brancas vão valorizar quem somos, sem preconceito”.

Acompanhe essa conversa.

 

TD – Quem conta as histórias nas aldeias guaranis?

OJ – Quase sempre os mais velhos. A oralidade é importante porque fortalece a cultura, faz com que ela não se perca. Essas conversas fazem parte de um ritual realizado todas as noites na Casa de Reza (Casa Opy) das aldeias guaranis. Ali fazem a oralidade e graças a isso se preservam as histórias. As crianças também vão e participam. Elas ouvem as histórias e fumam o cachimbo como os adultos. O cachimbo é importante porque se acredita que a força está ali e por ele é compartilhada. As crianças são educadas ouvindo e fumando o cachimbo e os mais jovens também contam histórias.

 

TD – Como foi sua infância e adolescência no que diz respeito aos livros?

OJ – Quando garoto eu era viciado em leitura. Mais jovem, li os livros de antropólogos e, na década de 70 ou 80, fiquei preocupado com o que tinha sido escrito. As nações indígenas estavam abandonadas e desrespeitadas. Então, pensei que com a escrita poderíamos nos defender.

 

TD – Você defende o termo literatura nativa. O que a diferencia da literatura indígena?

OJ – O que está escrito no livro, fica registrado. E a literatura indígena é uma espécie de defesa dos povos nativos. José de Alencar criou um preconceito e a partir daí as pessoas falam mal dos indígenas. Então, através da literatura feita por indígenas conscientizamos para a nossa realidade. E isso foi um importante surgimento nos anos 80. Defendo o termo literatura nativa como o correto porque a palavra ‘indígena’ vem do pensamento do branco.

 

TD – Quando começou a escrever?

OJ – Comecei a escrever meu primeiro livro, Leópolis Inesquecível, em 1984. Mas ele só foi lançado em 1993, na Câmara de Vereadores de Osasco. Era um livro de poesias. O segundo foi 500 anos de Angústia, que é uma crítica aos 500 anos de descobrimento do Brasil.

 

TD – Quantos livros seus estão publicados?

OJ – São 22 livros publicados e um que tem previsão de lançamento para março: é História de Kairú. Mas existem pelo menos outros 40 escritos. Grande parte deles teve maior aceitação pelas crianças e jovens. Tudo pode virar uma história. Um livro é igual uma fofoca – você ouve e escreve. A vida humana é uma fofoca. Para mim, um livro é uma coisa simples. É uma história bem contada. A realidade é um livro. A literatura infantil e juvenil que é escrita pelos povos nativos precisa chegar às escolas para que nossos povos sejam conhecidos. É por meio de nossas histórias que as crianças brancas vão valorizar quem somos, sem preconceito.

 

TD – Quando você escreve uma história, para quem a destina?

OJ – Quando conto uma história, conto para todos, sem pensar na idade. E quando escrevo, crio, não penso só no que ouvi. É preciso criar. Cada um tem o seu talento e criar é uma forma de defesa com sua própria história. Foi com essa ideia que escrevi, entre outros livros, Iarandu, o cão falante. Os cachorros são importantes na aldeias. Os indígenas acham que os animais também são racionais. Os animais e as árvores falam. Para os brancos a natureza é considerada parte do círculo e, no mundo ocidental, o homem está acima dela. Mas a floresta é viva. Precisamos criar pensamentos para mostrar para a sociedade que nós fazemos parte da natureza e não o contrário.

 

TD – Por que você considera importante que os próprios indígenas escrevam suas histórias e as deixem como um legado?

OJ – Eu uso a cultura guarani para criar os livros. Sempre tivemos contadores nas aldeias, mas nunca foram apoiados. Então, os brancos escreviam e publicavam por nós. Mas escreviam sob a ótica deles e se apropriavam das histórias dos nativos. Por isso é importante que o indígena escreva e publique. Tivemos muitos escritores, mas sempre faltou apoio e não só financeiro.

 

TD – Que conselho você daria a um indígena que quer escrever histórias?

OJ – Não existia tecnologia na minha época, então eu andava com um caderno e escrevia as minhas ideias. Por isso, eu diria que a primeira coisa que ele deveria fazer é escrever num caderno ou, hoje, num notebook. E é preciso sonhar que um dia vai publicar. Tem que sonhar e acreditar, não pode desistir.

 

TD – O que você pensa a respeito de premiações para livros e autores? As Queixadas e outros contos guaranis tem menção na Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.

OJ – Eu tenho premiações, fui relacionado entre os 100 melhores escritores do Brasil, mas não me importo com isso. Não falo sobre as premiações porque realmente não acho importante. É status. Além disso, a questão indígena vende bem pouco no Brasil.

 

TD – Além de escritor, você é um ativista das causas indígenas. Transmitiu suas ideias e ensinamentos a muitos leitores e, principalmente, a três de seus filhos, que são também escritores. Por que é importante essa conscientização?

OJ – A sabedoria é preciso aproveitar, usar. A filosofia abre a cabeça, desenvolve o pensamento. O indígena tem uma filosofia própria e usa para desenvolver ideias. Meus filhos vivem isso. Um deles, Werá Jeguaka Mirim conscientiza a sociedade através dos livros. Aos 20 anos, ele também é compositor e cantor de rap, conhecido como Kurumi MC. Cantando em guarani ele defende a causa indígena. Werá ainda ganhou 17 prêmios na Europa com os filmes Meu Sangue é Vermelho, realizado na Inglaterra, e Kurumi, o Raio Nativo, feito na Holanda. Ambos falam de demarcação das terras indígenas, preconceito e conscientização da sociedade para as causas dos povos nativos.

 

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*Fonte de pesquisa para temas e entrevistas: Instituto Fatum.