A louca dos gatos

Wanda Camargo | assessoria@unibrasil.com.br

Em um país que deveria estar num estágio mais avançado, tanto tecnologicamente quanto em termos comportais, em função da aproximação do processo eleitoral  discute-se hoje as denominadas “loucas dos gatos”, mulheres que, solteiras ou não, optam por não ter filhos e costumam adotar gatos ou cachorros e dedicar-se mais às suas vidas profissionais que familiares.

Mesmo nas teorias feministas, a identidade feminina costuma ser definida principalmente pela habilidade de criar e manter vínculos afetivos, assim como pela disponibilidade de cuidar dos demais, e a mulher desenvolveria, no processo de constituição da sua subjetividade, o senso de que suas ações precisam estar constantemente conectadas com as necessidades daqueles ao seu redor. No entanto, vínculos não são apenas possíveis de serem estabelecidos com marido e filhos, embora estes sejam intensos e especiais, eles podem existir com ações sociais, com animais, com familiares necessitados de atenção em tempo integral e muitos outros.

Mesmo que o atendimento das necessidades alheias leve mulheres à chamada «síndrome da mártir», um processo no qual os desejos pessoais são negligenciados em favor dos demais, este parece ser um preço que toda a sociedade está preparada para pagar, dado que o masculino é definido através da separação e o feminino através da vinculação, e então é visto como absolutamente natural que, para manter seus vínculos afetivos, ela renuncie a qualquer outra vitória pessoal. A identidade do homem se vê ameaçada pela intimidade, enquanto a da mulher é ameaçada pela separação e destruição dos vínculos.

Relações interpessoais, a habilidade de cuidar e manter vínculos afetivos, natural abnegação e sofrimento, endeusamento da maternidade, crença total de que mulheres são biologicamente destinadas a serem mães, faz da devoção e do sacrifício características associadas à feminilidade dita “normal”.

Por isso, um candidato a vice ou presidente da maior nação do planeta declara em público que as mulheres tem comportamento patológico ou criminoso quando não demostram a habilidade ou desejo de gerar e cuidar de crianças, e não colocam na centralidade de suas perspectivas o cuidado e atenção ao bem-estar alheio, ou seja, aparentemente querem fugir da esfera privada do lar.

Uma vez que a mulher compartilha a essência de Eva, só a maternidade lhe traria a possibilidade de salvação e o respeito dos homens, bastando a ela uma educação voltada para as atividades domésticas.

Caso sua função de zeladora da intimidade familiar, dos aspectos privados da casa: da família, da reprodução e da criação dos filhos seja prejudicada, o lar, tradicionalmente o espaço feminino, que deve ser suporte à esfera pública da produção, do trabalho e da política que são espaço masculino por excelência, se deteriora. Se a circunscrição feminina à esfera privada for rompida, isso é entendido como perversão, pois desvaloriza  o espaço público tido como masculino.

Separar o pessoal do político consiste em ignorar que também relações estabelecidas no âmbito privado são eminentemente políticas, o slogan feminista «o pessoal é político» remete à inseparabilidade entre vida doméstica e não-doméstica, estabelecendo que o que acontece na privacidade das famílias não é nunca imune às dinâmicas de poder que marcam o que denominamos esfera pública.

De forma geral o brasileiro, como em muitos outros países, valoriza a esfera pública e desvaloriza o espaço privado do lar, considerando preparação da comida, decisões sobre problemas domésticos, criação dos filhos/as, irrelevantes, o que relega a mulher ao papel exclusivamente de vítima da submissão masculina, embora ela eventualmente encontre outras formas de exercer seu poder.

Segundo algumas pensadoras, isso faz surgir a mãe «masoquista» que abdica dos cuidados pessoais e resigna-se aos sofrimentos impostos pela maternidade, sendo então desprezada pelo homem e toda a comunidade.

Maternidade é uma bela atividade, que deve ser desejada e não imposta, de preferência vir após um bom processo educativo que não a faça ser escrava de nenhum relacionamento pela impossibilidade de ter uma vida profissional fora do lar, ao mesmo tempo que a prepare para uma vida cultural plena e participação ativa no desenvolvimento de seu país.

Dentro de casa cuidando do filhos – ou não.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.