Émile Durkheim (1858, 1917), sociólogo, filósofo e antropólogo é considerado o “Pai da Sociologia”, pois a formalizou e embasou como disciplina acadêmica. Ele sublinhava o reconhecimento da diferença entre o individual e o coletivo, afirmando que a consciência própria de cada um é subjetiva, flutuante e perigosa à ordem social. Por outro lado, que coletividade é a sociedade em sua totalidade, impessoal e ao mesmo tempo permanente, afirmando que o pensamento coletivo deveria ser estudado tanto na sua forma como no seu conteúdo, por si e em si mesmo, na sua especificidade, pois uma representação social, por ser coletiva, já apresenta condições de objetividade e compõe o quadro teórico na relação indivíduo–sociedade.

Assim, as representações coletivas seriam produções sociais, distintas de qualquer sensação ou consciência particular por não dependerem dos sujeitos individuais para se produzirem e reproduzirem; elas são formas sociais de expressão, se impõem aos indivíduos de maneira coercitiva e genérica, de reconhecimento e explicação do mundo. Portanto, não são corretas ou incorretas, falsas ou verdadeiras, constituem apenas maneiras de uma coletividade humana entender o mundo em que vive e como expressar tal entendimento.

Esta concepção orienta a própria compreensão de um processo representativo dos fatos sociais não como fenômenos individuais, e suas causas só podem ser atribuídas à própria sociedade que o produziu, e portanto as noções essenciais que dominam a vida intelectual são arcabouços abstratos e impessoais, compartilhado por todos, para permitir a compreensão das generalidades que regem os acontecimentos e explicar suas existências.  Por serem mais estáveis do que as representações individuais, as representações coletivas são a base dos conceitos que sustentam o vocabulário da comunidade, num aspecto mais local ou generalizado.

Pensando desta forma, ao olhar os dados do Índice de Indicadores Sociais do IBGE publicado em 2023, e observando que 10,9 milhões de jovens entre 15 e 29 anos não estudam e não estão exercendo atividade laboral de nenhuma espécie, e que entre eles 14,8% são extremamente pobres, sendo que 61,2% estão vivendo diariamente com valores compreendidos entre US$ 2,15 e US$ 6,85, é preocupante que este fato social pareça indiferente ao restante da população.

Esta mesma publicação mostra também que mulheres pretas e pardas constituem 43,3% dos jovens fora do sistema de ensino e ocupação no mundo do trabalho, totalizando 4,7 milhões de pessoas, o que não pode ser simples coincidência e mostra que o racismo estrutural é mais forte que a capacidade de resolvermos isso, do que nosso sistema educativo – não apenas escolas, mas a educação que toda a sociedade utiliza para educar nossos jovens – é resistente e praticamente colado aos nossos modos de procedimentos pessoais ou organizacionais.

Nas escolas não conseguimos controlar as violências, ataques dentro de instituições educacionais ocorreram em 37 estabelecimentos escolares nos últimos 22 anos, apontando também para nossa incapacidade como comunidade de entender e respeitar atividades educacionais. Sociedade civil, setor privado e Estado assistem inertes desde tragédias pessoais até as ambientais mostram a conduta cotidiana dos indivíduos carregada de significação cultural.

A conduta de “levar vantagem em tudo” é juízo de valor que os indivíduos possuem, mas aparentemente estão se tornando comunitários, e trabalho como virtude máxima, prosperidade advinda do esforço pessoal, lucro como fator legítimo das relações econômicas, mostram  como a sociedade vê a si mesma e ao mundo que a rodeia.

Segundo Durkheim, “a sociedade ideal não está fora da sociedade real, é parte dela, porque uma sociedade não está simplesmente constituída pela massa de indivíduos que a compõem, pelo solo que ocupam, pelas coisas que utilizam, pelos movimentos que efetuam, mas, antes de tudo, pela ideia que ela faz de si mesma”.

Aparentemente não temos um bom conceito de nós mesmos.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.