Embora o retrato do surfista brasileiro Gabriel Medina, feito pelo francês Jerome Brouillet pareça uma montagem, de tão linda e perfeita, e que iremos ter esta imagem como icônica desta Olimpíada, possivelmente, para nós brasileiros, o fato mais importante deste evento tenha sido Rebeca Andrade em seu ouro no solo em Paris, não apenas por ser sua quarta medalha nos Jogos de 2024 e a sua sexta em Olimpíadas; mas principalmente pelo recado de verdadeiro espírito esportivo e de solidariedade passado por ela e Simone Biles, sua principal competidora.

Muitas vezes temos modernamente a concepção de solidariedade como amor altruísta ao próximo, resultante de sua origem nos termos fraternidade e irmandade, conceito adotado na revolução francesa e que se tornou lema da luta para a construção de uma sociedade de cidadãos igualitários, passando a ter um significado político. Aliás, sua origem linguística encontra-se no Direito Romano, com o significado do dever para com o todo, uma responsabilidade geral, uma obrigação solidária: um por todos, todos por um. Este tema é conhecido por ser o lema dos Três Mosqueteiros num romance clássico que encantou – e ainda encanta – gerações.

Apesar da origem jurídica deste conceito, seu sentido tornou-se mais forte entre cristãos, pelos sentimentos de unidade entre as pessoas, qualquer que sejam suas origens, etnias, religiões, ou seja, de relações humanas.

Por isso solidariedade é considerada um vínculo de sentimento racionalmente guiado, limitado e autodeterminado que compele à oferta de ajuda, apoiando-se em empatia e compreensão aos interesses e objetivos de uma outra pessoa, e que mantem a diferença entre os parceiros embora permita entendimento. A solidariedade cresce em importância na medida em que permite a tomada de consciência da interdependência que temos uns com os outros, com a percepção de que a competição desenfreada precisa muitas vezes ser substituída pela cooperação, caso tenhamos um mínimo de interesse no desenvolvimento civilizacional.

Na ciência da Psicologia, a discussão teórica e conceitual de cooperação e competição vem sendo considerada no nível das ações ou comportamentos observáveis, pró ou anti-sociais. Para a maioria dos autores, comportamentos pró-sociais são aqueles que representam ações ou atividades socialmente positivas, que tentam atender às necessidades e ao bem-estar de outras pessoas, como altruísmo, generosidade, cooperação, simpatia; e por outro lado, comportamentos anti-sociais incluem ações ou atividades consideradas como socialmente negativas, como destruição, hostilidades, prejuízo alheio, egoísmo, competição, agressões.

Depois de alguns anos de valorização de armas, vinganças, violências contra mulheres e minorias, foi bom ver uma atleta carregando outra machucada até seu banco, um atleta que não conseguia alcançar as argolas onde se apresentaria sendo levantado por outro, competidoras reconhecendo publicamente admiração – e não ressentimento – pelo desempenho de outras.

Cooperação e competição constituem aspectos de um mesmo fenômeno relacional, somos humanos, assumimos diversos tipos de ações em diferentes contextos; objetivos individuais se sobrepõem ou não a grupos com os quais convivemos, ora favorecemos cooperação, em relação às necessidades e bem-estar de outras pessoas, ora competição, que pode convidar à hostilidade e à agressão, mas que também pode ser saudável, convidando à melhoria de cada área, à dedicação para obtenção de melhores resultados.

O pódio em que Simone Biles e Jordan Chiles prestaram tributo a Rebeca Andrade, com carinho e algum humor, remeteu àqueles bem mais “pesados” da Olimpíada de 1968 quando atletas negros levantavam o punho fechado em alusão à luta por direitos iguais, independentes da cor da pele. Além de ser uma homenagem justa a uma vencedora, o gesto atual marcou a união de atletas de altíssimo nível que sabem perfeitamente o sacrifício e as dificuldades enfrentadas para subir aqueles “degraus”.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.