A notícia é boa, pois foi fundada no Brasil uma produtora independente especializada em autores indígenas, o que vai permitir o acesso de alunos e professores, assim como da população em geral, à escrita de autores historicamente afastados das grandes editoras.

Mesmo considerando que indígenas mais velhos têm muita dificuldade com a língua portuguesa ou em compreender o comércio de livros e sua importância para a população branca, este campo de diálogo vai permitir a existência destas e muitas outras vozes  que sempre foram alijadas, e que só apareciam na literatura folclórica, em uma visão colonizadora e estereotipada, em terceira pessoa, como no romance Iracema, clássico brasileiro de 1865 escrito por José de Alencar. A personagem, veículo para demonstrar as belezas naturais do Ceará, é caracterizada como dócil, e não opõe a menor resistência contra a força colonizadora

Silenciadas por muito tempo, estas vozes pretendem trazer à tona histórias e memórias coletivas dos brasileiros originários, suas ancestralidades e importâncias culturais para o processo educacional brasileiro. Mesmo com o elemento dificultador de suas múltiplas linguagens e costumes, poderá combater a visão romantizada sobre eles, parte do comportamento colonialista e que colaborou muito para o extermínio quase total dessas populações.

A recente eleição de Ailton Krenak, indígena, ambientalista e escritor, professor honoris causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora, para a Academia Brasileira de Letras deu visibilidade a seus livros, como o “Ideias para adiar o fim do mundo”, em que discorre sobre a “humanidade homogênea”, que tem o consumo como ideia de cidadania, e uma “sub-humanidade”, pessoas e comunidades à margem da sociedade de consumo, ligados à Terra e outra ordem de valores.

Tais grupos: indígenas, quilombolas, caiçaras e aborígenes, tem incomodado o homem branco, descolado da natureza e que nega a pluralidade das culturas e modos de vida divergentes dos seus.

Nesta obra, provocativa, o autor sugere que adiar o fim do mundo significa exatamente poder contar mais uma história. Sempre que fazemos isso, estamos adiando o fim do mundo.

Mesmo que a literatura brasileira esteja se abrindo um pouco mais para as histórias e cosmologias de outros grupos, a política de apagamento ainda permanece muito presente. É indispensável a garantia de direitos, e um amplo processo educacional, com tais temáticas disponíveis em salas de aula, ao alcance de pesquisadores e do maior público possível.

É importante lembrar que os missionários do tempo do Brasil Colônia escreviam autos e poemas em língua indígena para tornar acessíveis ao catecúmeno os princípios da religião e da civilização metropolitana, por meio de formas literárias consagradas, equivalentes às que se destinavam ao homem que era considerado culto. No entanto, agora as comunidades mais vulneráveis, uma vez alfabetizadas e colocadas num processo de urbanização, passam para o domínio dos celulares,

televisão, rádio, redes digitais, constituindo a base de uma cultura de massa. Ou seja, alfabetizados, da mesma forma que analfabetos, passam diretamente da fase em que conheciam apenas o folclore de sua região para o folclore urbano de opiniões e comportamentos massificados.

Então o homem comum sabe mais sobre os personagens típicos de outras culturas – o Cowboy, o Samurai, ou o estereotipado Jeca Tatu brasileiro, do que sobre suas pequenas e reais comunidades brasileiras, sua cosmologia, problemas e características.

No Brasil sempre foi conflituosa a relação entre colonizado e colonizador, e a partir dos primeiros momentos da colonização até o presente, existiu grande resistência quanto aos textos da literatura brasileira, africana e caribenha, pois consideramos melhores aquelas de países desenvolvidos, ou seja, europeus.

Entretanto, por histórias e cantos, compreendemos melhor o conceito de saber ancestral, e isso faz da literatura indígena um exercício do pensamento inédito e profundo para todos nós.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.