As aventuras de Alice no País das Maravilhas talvez tenha sido um dos livros mais populares entre as crianças e jovens desde que foi escrito em 1865, tornando-se uma das obras mais célebres do gênero que denominamos nonsense,  contando a história de uma menina que cai numa toca de coelho e é transportada para um lugar desconhecido, povoado por criaturas fantásticas. A obra é conhecida por seus trocadilhos e brincadeiras de duplo sentido, num clima de absoluta fantasia. No final, sabemos tratar-se de um sonho, porém o acesso a este mundo onírico em particular foi permitido a uma jovem, não a um adulto. Entretanto, acordar é inevitável, mesmo que a memória desses deslumbramentos venham a permanecer por toda a vida.

Mais atualmente, os livros do pequeno bruxo Harry Potter tratam também de uma realidade fictícia na qual a magia, tanto do bem quanto do mal, é praticada por aqueles que compartilham este conhecimento, uma classe especial de pessoas que, nascida de bruxos ou não, possuem este poder; e aqueles que não o possuem, chamados de “trouxas”, não sabem sequer da existência deste universo paralelo, e embora seus problemas, vitórias, tristezas e alegrias sejam bastante semelhantes aos comuns mortais, vivem em castelos, com comida e roupas aparecendo por milagre. As aventuras se sucedem diariamente, e a vida é uma sucessão de sortilégios  eternos.

As narrativas maravilhosas parecem ter sua origem nos textos de ritos mágicos que o ser humano desenvolveu ao longo de todo o processo civilizacional, pois rituais de sorte, de boas colheitas, de azar para os inimigos, de bons partos, de certa forma celebravam as crenças de cada comunidade, e crianças sempre assistiram adultos em seus cultos, e dar a elas o gosto pelo conto e alimentá-las com narrações fantásticas, desde que escolhidas com discernimento, foi colaborar com seus amadurecimentos no ato de tentar entender a realidade e desenvolver o imaginário.

Na Folha de São Paulo em 23/07/04, lemos: “Se andou circulando pelas redes sociais nos últimos tempos, é bem possível que já tenha topado com vídeos em que jovens contam como conseguiram se transportar para dentro do universo Harry Potter ou mesmo para um passado remoto. Alguns fazem disso uma prática diária. A onda vem da expressão em inglês “reality shifting”, ou mudança de realidade. O objetivo é transcender a mente para um cenário paralelo, que pode ser o de filmes, livros ou séries famosos. Os praticantes creem que é possível elevar o subconsciente até um plano diferente e nele viver experiências tão reais quanto as que vivemos”.

É surpreendente que jovens estejam “treinando” efetuar uma espécie de auto hipnose para escapar da materialidade do dia-a-dia, ou seja, para tentar misturar o real e a fantasia, o concreto com o digital, o efetivo com o simplesmente afetivo.

É como se os jovens estivessem cansados da realidade, como se as verdadeiras emoções e sensação de poder estivessem fora do cotidiano, e apenas nesta instância eles pudessem sentir-se vivos.

Em outro aspecto reina a cultura das drogas, o escapismo movido pelo uso de substâncias naturais ou artificiais que, a princípio, propiciarão a desejada “nova consciência” e que inevitavelmente provocarão a necessidade de doses cada vez maiores para um resultado cada vez menor, com consequências trágicas para a saúde física e mental, comprometimento financeiro descontrolado e desagregação social e familiar.  

A constatação de que somos autores e personagens de nossa história, implica também na percepção de que apenas somos capazes de fazer isso dentro dos fatos criados pela coletividade humana e a partir de condições dadas. O mundo nos permite, ou não, algumas construções, a liberdade é relativa; tornar-se adulto é fazer escolhas diante das possibilidades históricas e sociais, já que não podemos fazer qualquer escolha sem levar em conta as próprias condições, que se modificam ao longo do tempo e alguma dedicação pessoal, porém ainda assim de forma limitada a alguns fatores familiares, culturais e regionais. Com as relações que cada um estabelece no mundo, as melhorias obtidas muitas vezes com grande esforço, de um trabalho por vezes exaustivo é que podemos alterar a realidade para melhor, e muitas vezes parece mais fácil escapar para um mundo mais encantado, cheio de magia e deslumbramentos.

A escola pode ser um importante meio de difusão do conhecimento, a leitura e a contação de histórias, trabalhos com músicas, poesias, lendas e folclores, o acesso as atividades artísticas como pinturas, esculturas, teatros e muitas outras que exercem um papel social importante, de tornar as pessoas inventivas e capazes de criação pessoal, permitindo que transcendam um cotidiano muitas vezes massacrante.

É no mundo real que teremos que encontrar o prodigioso, as alegrias que compensam as tristezas, solidariedade, inclusão e força para enfrentar as tragédias, desenvolvendo conhecimento e sabedoria com auxílio de familiares, amigos e professores. Um pouco de fantasia sempre é bom, fugir à realidade nem sempre.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.