A frase icônica do “Rei Leão” da Disney é muito mais antiga que o desenho animado, remete na verdade à citação “conhece a ti mesmo” atribuída a Sócrates.

Quando alguém vai enfrentar desafios é comum que ouça essa exortação como forma de encorajamento. No sentido positivo, a ideia não é arrogante como se desejasse que a pessoa se considere acima dos demais, e sim um desejo de que não perca a própria identidade, recorde o estudo, o trabalho, o esforço, a decisão que antecederam o momento da prova, do início do emprego, do casamento, do que for, e que lembre sua família, amigos, comunidade.

“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo.”

O início de “Cem anos de solidão” de García Márquez, além de só por si ser uma obra prima, é a expressão do que fazemos em momentos drásticos, perigosos, definitivos: lembramos dos momentos marcantes de nossa vida, do que nos construiu como pessoas, como personalidades, lembramos de quem somos enfim.

O ritmo atual de vida nos leva ao esquecimento de todo passado, como se o já ocorrido perdesse importância frente à dinâmica do que está ocorrendo, e à expectativa irreal do que pode ocorrer. Isso nos faz perder o “senso oceânico da existência” (Jung), a consciência de que estamos imersos não apenas em um momento mas na quase eternidade de nossa vida. Longe de significar que o presente tem pouca importância, implica em que o presente é importante em uma realidade maior.

O que chamamos memória, capacidade de conservar informações, está sempre associada a impressões ou informações passadas, recordações, interesses, afetividades, desejos, e vários outros efeitos que exercem influência sobre a memória individual.

Não apenas em nossa vida particular, mas também no percurso dos vários grupamentos humanos ao longo da civilização, isso é importante. A história do judaísmo, assim como de algumas outras de alguns povos, segundo seus historiadores é assentada pelo dever de lembrar, e este é considerado como “o povo da memória”, pois em Israel lembrar é um imperativo religioso voltado a todos. No Deuteronômio e nas falas de seus profetas, “lembra-te dos dias antigos, considera os anos das gerações passadas” é quase um mantra, além de dezenas de outras citações que estimulam recordação.

Entretanto, esse apelo para a lembrança não significa exatamente curiosidade sobre o passado. Na maior parte das lembranças coletivas, muitas registradas nos chamados “livros históricos” representa a travessia de muitos problemas que marcaram a comunidade, e estas narrativas terminam por compor a identidade de uma nação, de uma comunidade ou mesmo das organizações formadas dentro da sociedade. Dominar o que é preciso lembrar, e o que se deve esquecer, é uma das grandes preocupações dos componentes de grupos, ou seja, dos indivíduos participantes de um determinado evento, pois esquecimentos e silêncios também são reveladores dos mecanismos de composição da memória coletiva, para o bem ou para o mal.

Muitos pensadores, Edgard Morin entre eles, observam que certos aspectos da memória individual podem esclarecer problemas da memória social e coletiva, ou seja, existem analogias entre elas, embora não ocupem um mesmo plano. O meio social conforma o indivíduo, determinando comportamentos, hábitos, valores; pensar a memória é pensar a relação entre cada pessoa e seu tempo, cada pessoa e sua congregação, e por isso o passado pode ser tanto recordado quanto reinventado. A história de cada participante do grupo, como indivíduo ou como comunidade pode ser contada pelos diferentes sentidos que prevalecem naquele exato tempo.

A memória pode ser recuperada ou resgatada, mas também criada e recriada, a partir de novos sentidos que se impõem socialmente, e com as organizações humanas não é diferente, sobretudo para instituições de ensino, como é o caso das instituições escolares, que também são criadas pelas pessoas que as compõem.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.