Imagem: Canvas, montagem de símbolos, por Ana Beatriz Dias Pinto.

“Por que é que vocês estão com a bandeira de Israel?” “Porque somos cristãos, assim como Israel.”

No dia 25 de fevereiro, convocados por uma série de investigados pela Polícia Federal, reuniram-se na Avenida Paulista, em São Paulo, apoiadores do ex-Presidente da República. Não é preciso fazer grandes reflexões para perceber, nos mais diversos discursos proclamados do alto de trios elétricos, a falta de contato com a realidade e a mínima noção do que conhecemos por lógica formal.

Não vale a pena resgatar as falácias sobre a Terra plana, a ineficácia da vacinas, o Brasil comunista, o uso de fetos abortados na fabricação de refrigerantes dietéticos etc. Para quem vive na bolha do Telegram e de outras mídias sociais dos manifestantes, os temas acima podem até fazer sentido, mas para o restante do Brasil – leia-se toda a população menos os poucos milhares de lunáticos que se reuniram na Paulista no dia 25 de fevereiro – não faz.

Não obstante, há um tema no qual devemos deter nossa atenção: a intolerância religiosa. E pasmem! A intolerância religiosa contra cristãos!

Estas poucas linhas são iniciadas com uma resposta dada por uma manifestante ao ser indagada sobre o porquê de levar a bandeira de Israel em uma manifestação no Brasil. Mal sabe essa senhora que os cristãos em Israel vivem sob constante risco. Não me refiro à perseguição religiosa da parte do Estado – seria um grave erro! Refiro à complexa situação vivida pelas cristãs e cristãos naquele país e nos territórios palestinos.

O atual Estado de Israel, ao contrário do que muitos pensam, nasce por uma iniciativa laica, isto é, o Sionismo. Embora receba o nome de um lugar bíblico, o Monte Sião sobre o qual o Altíssimo ergueu sua morada, o Templo de Jerusalém, o Sionismo foi mais um movimento nacionalista do final do século XIX e primeira metade do século XX. Trata-se de um movimento sem qualquer inspiração religiosa ou bíblica, é mais um dos tantos movimentos que buscavam a criação de Estados modernos, mundo afora – leia-se Estados laicos e democráticos.

Contudo, depois de sua criação o que o Estado de Israel tem feito com os palestinos não é nada democrático: começando pela invasão de suas terras, a expulsão de suas casas e a morte de muitas e muitos, como estarrecidos estamos assistindo na guerra em Gaza. A propósito, o que lá acontece, sim, é genocídio!

Mesmo não sendo religiosamente motivados, muitos dos sionistas professam a fé judaica – antes que acusações levianas sejam feitas, todo meu respeito pela fé dos judeus, da qual nós, cristãs e cristãos, bebemos; seus patriarcas são nossos pais na fé, como Abraão e Moisés, e seus profetas são a voz do Senhor para nós, como Elias e Eliseu. Logo, a grande ocupação populacional de Israel, depois de sua criação em 1948 pela ONU, vem sendo feita por judeus. Os palestinos, que já estavam lá há muitos séculos, são árabes, portanto, muçulmanos, em sua maioria, e cristãos, em sua minoria.

Pasmem! Os cristãos, que viviam no território convertido no atual Estado de Israel e ainda ali sobrevivem, são palestinos. Claro, também temos que somar a eles as minorias armênias e europeias que também viviam e ainda vivem no Estado de Israel. Insisto, porém, que os cristãos “nativos” de Israel eram e são palestinos, são árabes. Pasmem!

Mas como falar de intolerância religiosa contra os cristãos em Israel? Importante: por ser um Estado moderno, ergo laico e democrático, Israel não promove a perseguição religiosa. De fato, em sua população há, além de judeus, muçulmanos e cristãos. Porém, como sempre nos projetos neo-liberais de poder, as aparências podem enganar… E enganam muito!

O que acontece no moderno Estado de Israel é uma sistemática redução de direitos do povo palestino, ergo das cristãs e dos cristãos. O povo palestino vem sendo, desde a criação do Estado de Israel, sistematicamente empurrado para pequenas porções de terra – leia-se a Cisjordânia e a Faixa de Gaza – e condenado a sobreviver em condições socioeconômicas extremamente limitadas. Não há intolerância declarada contra cristãos em Israel, mas, sim, marginalização e condenação a uma vida miserável.

Irmãs e irmãos nossos, que vivem em Belém da Judeia, na Cisjordânia, a poucos quilômetros da Basílica do Santo Sepulcro, são proibidos visitar a igreja, templo da memória da ressurreição de Jesus, depois da construção do muro da vergonha que segrega ainda mais os palestinos. À diferença de hordas de turistas europeus e americanos – muitas delas de brasileiros -, as cristãs e os cristãos palestinos, ortodoxos e católicos, não podem rezar na Edícula e agradecer a Deus pelo dom da vida em plenitude nos dado na ressurreição de Jesus.

Ao contrário do que a senhora entrevistada na micareta do dia 25 de fevereiro pensa, Israel não é cristão. De fato, o atual Estado de Israel – não os judeus, por favor! – é bastante intolerante com os cristãos. Nesse sentido, é de supor-se que não só a entrevistada, mas muitos participantes da micareta promovida por investigados pela Polícia Federal também sejam intolerantes com cristãos, especialmente se são pobres, pretos e homossexuais, enfim se são diferentes deles.

Pergunto-me que cristianismo é esse? Ah! Já sei! É o cristianismo – seja católico ou evangélico – que esteve na missa ou no culto antes de ir à micareta da Paulista, mas se esqueceu de que estamos na Quaresma, um tempo de penitência e conversão, de recolhimento, não de carnaval fora de época. Mas isso é apenas um detalhe…

PeMatheus da Silva Bernardes é sacerdote da Arquidiocese de Campinas/SP e professor de Teologia da PUC-Campinas.